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Matéria Especial : Qual é o problema da dublagem brasileira?

Por Vinícius Martins @cinemarcante 



Nas últimas semanas uma polêmica tomou conta dos fóruns de amantes da dublagem na internet. O dublador oficial de Johnny Depp na franquia 'Piratas do Caribe', o profissional Marco Antônio Costa, publicou em sua página que não emprestaria sua voz ao personagem no quinto filme da cinessérie por causa de um desacordo entre ele e o estúdio da Disney no Brasil.

Fãs apoiaram a ação do ator, que deixou claro em sua mensagem que só não estaria no elenco de dublagem do longa porque o estúdio se recusou a reajustar o cachê. E é nesse ponto que quero tocar.



Em uma variedade rica de vozes que compõem o corpo de dubladores nacionais, soa um capricho dispensável contratar pessoas famosas (cantores, apresentadores, youtubers, celebridades do momento) só pelo nome. Essas figuras podem ter suas qualificações e até algum entendimento sobre dublagem, mas não são atores em sua carreira e não tem o tato para captar a sensibilidade que há no ofício da dublagem; não sabem modular a voz, expressar com seriedade e serenidade sentimentos, e nem tampouco casar seu tom com o que o rosto da personagem que é dublada, ou sequer encaixar sua fala ao gestual dos lábios mostrados em tela. Um ótimo exemplo é a dublagem de Luciano Huck em 'Enrolados', que foi lamentável, e a de Selton Mello em 'A Nova Onda do Imperador', que enriqueceu ainda mais a produção. Uma foi horrível e a outra conseguiu ser melhor que a original; uma foi feita por um apresentador de televisão com nada além de um nome popular e a outra foi feita por um profissional de verdade, alguém capacitado a atuar e a expressar todas as faces que compõem um personagem.

Assim sendo, por que raios paga-se muito mais para um 'leigo’ do que para um profissional, que vive disso e entende como funciona o processo? O valor a que me refiro não é só o dobro ou o triplo - o que já seria um absurdo -, mas sim uma equivalência que chega a ser vinte vezes maior. Não se paga um desqualificado para fazer uma cirurgia ou desenhar a planta de um prédio, então como pode ser aceito que alguém de fora venha e, sem ter nem metade dos atributos que os profissionais já no mercado, ganhe em algumas horas de trabalho o que os demais trabalham um semestre pra conseguir? É lamentável, mas é verídico.

A reivindicação de Marco Antônio Costa é não somente justa como também necessária. Ao virar as costas para ele, a Disney BR também virou as costas para os fãs de uma franquia bilionária, e com isso desconsideraram a memória coletiva que existe quanto ao capitão Jack Sparrow; afinal, a voz é uma das coisas que melhor se fixa enquanto se forma a identidade de alguém em nossa mente.


Marco Antônio Costa ( á esquerda), dublador de Jack Sparrow 
O mais ridículo nisso tudo era que a Disney BR sabia que o público iria reclamar e não fez nada a respeito. Quer ver como eles já sabiam? Simples! Isso já aconteceu. Em 2007 o trailer de 'No Fim do Mundo' chegou aos cinemas e à internet com a voz do dublador Philippe Maia (que é um excelente dublador, diga-se de passagem) no papel de Jack, e as pessoas logo mostraram a preocupação com a voz oficial do longa. Ninguém gostou do “teste”, e a nota publicada na ocasião foi que o dublador Marco Antônio Costa não conseguiu tempo em sua agenda para dublar o trailer, mas seria ele sim quem daria voz ao capitão pirata no terceiro filme. Logo, é nítido que o estúdio tinha plena ciência de que “a voz do povo” clamava pela dublagem tradicional e não estava disposta a aceitar uma mudança.

Quando Marco Antônio Costa reivindicou justiça salarial, foi o equivalente a um engenheiro pedir seu salário por um prédio bem construído quando um mendigo (perdoem a comparação, mas é pra retratar a pobreza da capacidade da maioria desses terceiros que não são profissionais da área) faz um trabalho porco e entrega uma obra torta e mal acabada, feita “pelas coxas”, que parece estar a ponto de ruir.

Em 'A Vingança de Salazar' quem dublou o capitão Jack Sparrow foi o profissional Jorge Lucas (na verdade eu ACHO que foi; pelo menos a voz era idêntica à dele - caso não consiga ligar o nome à pessoa, é o dublador oficial do Ben Affleck, inclusive em Batman v Superman). Seu trabalho foi bom, mas por já estar instalado na identidade do personagem a voz do George Clooney (digo, Marco Antônio Costa) me senti assistindo a um filme alternativo, fora do selo 'Piratas do Caribe’, como se o longa exibido agora não pertencesse ao mesmo arco. Trocar a voz de um personagem impacta tanto quanto mudar seu rosto, e alterar o dublador é tão ruim quanto mudar a escalação de um elenco.


Quero deixar aqui, enquanto cinéfilo, fã de Piratas do Caribe e grande admirador da dublagem brasileira, o meu apoio ao profissional Marco Antônio Costa - destaque para o PROFISSIONAL antes do nome dele. E se algum dia ele chegar a ler isso, deixo uma mensagem: Marcão, sem você o quinto Piratas caiu na qualidade e foi, no pior sentido da palavra, frustrante. Sua ação foi excelente e, apesar de eu sair do cinema chateado por não ter te ouvido quando Jack falava, fico feliz por você ter buscado o que é seu por direito e torço para que a justiça seja feita para você e os demais profissionais desse mercado que está se mostrando deveras ingrato. Nunca se arrependa de sua decisão e fique tranquilo, porque para nós, fãs, você sempre será o melhor Jack Sparrow independente de quantos filmes mais forem feitos.

Aos demais, me resta dizer que fica a torcida para que os estúdios deem a devida atenção aos seus dubladores e que casos lamentáveis como esse não voltem a acontecer. Com uma situação dessas,  perde o profissional, perde o estúdio, perde a qualidade do filme e principalmente perde o público, que tem que encarar seus velhos conhecidos pela “primeira vez” novamente, como se fossem estranhos. 

A dublagem brasileira merece mais.







'Papo de Cinemateca - Porque Cinema e Diversão é com a Gente Mesmo.'

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