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Matéria Especial: 'O Cinema e o Orgulho LGBT' - Parte 1

Por Vinícius Martins   @cinemarcante 




Gravem estas palavras: os gays vão dominar o mundo! 
Pode parecer exagero hoje, mas é apenas questão de tempo até termos 'paradas héteros’ e manifestações pró heterossexualismo começando a acontecer. Sabe por quê? Porque as ditas minorias não são tão minorias assim. Na verdade, os gaysestão dominando o mundo! E antes de levar multidões às ruas, eles começaram esse movimento nas telonas. Esse será o nosso objeto de estudo na análise de hoje.


Lefou, interpretado por Josh Gad, é homossexual na versão live-action

Em dias atuais soa ridículo abrir o seu navegador de internet e se deparar com a notícia de que versão live-action de “A Bela e a Fera” foi banida de alguns países por conter cenas que indicavam que um personagem coadjuvante é homossexual; mas foi exatamente o que me aconteceu há algumas semanas. Nesses países o gay pode até ser representado em filmes, mas apenas desde que seja de forma difamatória ou vilanesca, mostrando que gays são cruéis e perversos (ou no mínimo infelizes com a vida). A repercussão sobre o assunto parece ter saído pela culatra para quem queria destruir a imagem do filme, já que ele logo se tornou um sucesso estrondoso de bilheteria e faturou centenas de milhões para os cofres do Mickey.

Tal notícia me fez pensar em como o mundo mudou de um século pra cá. Se aquela mesma manchete que li há algumas semanas fosse relacionada a uma notícia de décadas atrás, seria “compreensível” tal visão social sobre o material midiático, já que antigamente muitos filmes foram de fato banidos e/ou retirados de circulação por conter menção ao movimento gay. Isso me levantou questionamentos sobre como a própria indústria cinematográfica foi homofóbica durante tempos e como artistas foram condenados a viverem sob o véu da fachada, usando uma máscara que os obrigava a atuar tanto dentro quanto fora de cena também.


Antes irmãos, agora irmãs Wachowski
Com esse pensamento, fica praticamente inevitável lembrar de 'V de Vingança’, notório clássico contemporâneo com roteirização dos então irmãos Wachowski, que hoje são Lana e Lilly. No filme em questão é apresentado o caso de uma atriz que sofre nas mãos de um governo totalitário e é presa por ser homossexual. Sofre tortura, abusos e, por fim, morre por causa da intolerância. O curioso dessa história é que, dentro do filme, ela ocorre em um tempo futuro. Talvez a intenção das irmãs Wachowski ao dar esse choque temporal e histórico seja justamente para evitar que tal desgraça recaia sobre gerações futuras, mostrando o quão absurdo seria algo assim nos dias atuais e deixando uma clara mensagem de que você não é obrigado a se curvar perante algo que não acredite.

Assim sendo, não é errado afirmar que o cinema é uma ferramenta; e como ferramenta, ele pode ser usado para as mais diversas finalidades. Através dele pode-se pregar a cultura do ódio como também a da paz, dependendo apenas de quem conduz a produção. A história do cinema está recheada de casos onde ocorreu opressão por parte de estúdios distribuidores sobre o conteúdo dos filmes, e isso resultava em mudanças drásticas no resultado final. Um desses casos ocorreu justamente no meio dos anos quarenta. 

O ovacionado diretor Billy Wilder quis, com seu pensamento muito além da época em que vivia, contar a história de um escritor com dilemas quanto a sua própria sexualidade e sofrendo, por esse e outros conflitos, com o vício no álcool. No entanto, graças a censura forte que imperava na época (um período conturbado devido a segunda guerra mundial), seu filme 'Farrapo Humano’ acabou com uma abordagem mais leve, contando sobre a vida de um escritor com um grave problema de bloqueio criativo.


Katharine Hepburn
O cinema muda de tempos em tempos e, na mesma medida, influencia as mudanças que ocorrem no mundo. Mas assim como o caso que acabei de citar, muitas outras produções e artistas sofreram com a censura por serem gays ou bissexuais. Nomes famosos, como o da diva Katharine Hepburn (vencedora de cinco prêmios Oscar) e do grande Anthony Perkins (o eterno Norman Bates da obra prima 'Psicose’, de Hitchcock), figuram no hall de pessoas aprisionadas no armário ao lado de Cary Grant, Dick Sargent, Randolph Scott e Bette Davis. Alguns mais corajosos, como Greta Garbo e James Dean, não tinham tanto pudor em relação a sua imagem pública, e eram frequentemente vistos em companhia de pessoas do mesmo sexo. Rock Hudson, por outro lado, sofreu um efeito colateral lamentável na vida pessoal e profissional, sendo obrigado a se casar com sua secretária enquanto assistia sua carreira ser arruinada pelos boatos de que ele era homossexual. Casos diferentes, em épocas diferentes, retratando como o cinema mudou e como a aceitação aos artistas LGBT demorou a acontecer no meio em que decidiram trabalhar. 


Lemmon & Curtis em 'Quanto + Quente Melhor'
Billy Wilder, aquele diretor que citei há pouco, percebeu isso e então lançou, na década seguinte ao lançamento de 'Farrapo Humano’, o adorável 'Quanto Mais Quente, Melhor’, tratando, com humor e toda a comicidade que a época pedia, assuntos sobre ser gay e, nitidamente, travestir-se. O uso da comédia aqui é como uma “vingança” metódica, utilizando a mesma máscara que tantos atores e atrizes vestiam para ocultar sua verdadeira identidade sexual, como fórmula para fazer uma máscara de gênero cinematográfico, a fim de tratar de um assunto mais sério que fica subentendido nas entrelinhas da trama. Talvez seja exatamente por essa audácia que o filme estrelado por Marilyn Monroe, Jack Lemmon e Tony Curtis seja tão cultuado até hoje.

Os defensores da liberdade - tanto de escolha quanto de expressão - conseguiram, aos poucos, transformar o cinema o bastante para torná-lo em uma ferramenta usada a seu favor e também um refúgio para chamar de lar. Idealistas e revolucionários do movimento conseguiram - e conseguem - desmistificar o gay e transmiti-lo na tela não como um monstro abominável como alguns países ainda exigem que seja feito, mas sim como o que ele realmente é: humano.




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Na segunda parte desta matéria, veremos um pouco mais sobre como a comunidade LGBT mudou os rumos da história do cinema e o que isso significa para o mundo como um todo. Não deixe de ler!  






'Papo de Cinemateca - Porque Cinema e Diversão é com a Gente Mesmo.' 

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