Matéria Especial: 'Cinema e História - Uma Parceria Que Dá Certo'
Por Beto Alves
"CARLOTA JOAQUINA, PRINCESA DO BRASIL", filme de 1995, com direção de Carla Camurati e elenco fabuloso, encabeçado por Marieta Severo e Marco Nanini, mudou muitos dos rumos do cinema brasileiro.
O filme, como o próprio nome informa, retrata a vida, em sua intimidade, de Carlota Joaquina, a princesa espanhola que com dez anos de idade fora ofertada ao infante D. João VI, de Portugal. A diretora através de uma narrativa cômica enfatiza os escândalos que marcaram a vida de Carlota Joaquina e de toda a corte portuguesa. Entretanto, a película de Carla Camurati, além de entreter, faz uma radiografia do contexto que levou o Brasil à sua independência em 1822, a partir da vinda da família real portuguesa para o Brasil, em 1808.
Napoleão, que subiu ao poder na França, em 1799, pretendia transformar o seu país na maior potência da Europa. Na sua luta contra a Inglaterra, principal potência econômica da época, decretou o Bloqueio Continental, proibindo o comércio dos países continentais europeus com os ingleses. Para Portugal, que assinara vários acordos comerciais com a Inglaterra, não restou outra, senão a alternativa de continuarem a serem aliados. Irritado com a posição adotada por Portugal, Napoleão mandou então que o território português fosse invadido pelas tropas francesas.
O plano de fugir para o Brasil não era novo. A decisão tomada por D. João foi fruto das pressões da Inglaterra, muito interessada em comerciar diretamente com o Brasil. O embarque da Corte foi tumultuado, 36 navios partiram, levando a Corte Portuguesa, cerca de 15.000 acompanhantes, escoltada pela esquadra inglesa.
A primeira medida adotada por D. João ao chegar ao Brasil, na Bahia, foi a abertura dos portos às nações amigas, rompendo o monopólio metropolitano português. Da Bahia, onde aportaram inicialmente, seguiram para o Rio de Janeiro, que possuía estrutura para abrigar toda a corte. D. João ordenou que as melhores residências fossem desapropriadas para acolherem os portugueses. Nas portas foram gravadas as iniciais PR (príncipe-regente), que passou, ironicamente, para os bastidores da História como Ponha-se na Rua.
Outras medidas importantes foram adotadas como: a fundação do Banco do Brasil; a revogação do Alvará de 1785, que proibia a existência das manufaturas no Brasil; criação da Biblioteca Nacional e do Jardim Botânico; e fundação da Imprensa Régia. Promoveu a vinda da Missão Francesa, em 1816, que trouxe Jean Baptiste Debret, que retratou as cenas do cotidiano da cidade em lindos desenhos.
Portugal vivia uma grave crise política, pois passou a ser governado por um Conselho de Regentes ingleses. A situação econômica também era precária. Diante de tudo, os portugueses iniciaram, na cidade do Porto, um movimento revolucionário com o objetivo de expulsar os ingleses do Reino e reinstalar a sede do governo em Lisboa, com a volta da família real. Os revoltosos convocaram uma Assembléia Constituinte, chamada de Cortes Gerais, acabando com a monarquia absolutista.
Com receio de perder a Coroa, D. João VI retornou a Portugal, deixando no Brasil, seu filho D. Pedro, como príncipe regente. Os brasileiros sentindo-se ameaçados formaram o Partido Brasileiro, favorável à independência. Em 9 de janeiro de 1822, no conhecido como o Dia do Fico, D. Pedro resolveu permanecer no Brasil. Em agosto de 1822, chegaram ordens de Portugal para que as decisões de D. Pedro fossem anuladas, forçando o seu regresso. Na tarde do dia 7 de setembro, em São Paulo, ao ler as notícias, D. Pedro declarou a separação definitiva de Portugal, proclamando a independência.
Os Estados Unidos reconheceram a independência brasileira através da Doutrina Monroe: A América para os Americanos. No ano seguinte, Portugal também o fazia, após o pagamento, por parte do governo brasileiro, de 2 milhões de libras de indenização, emprestados da Inglaterra.
Como do processo de independência só participou a aristocracia brasileira, não a população, o fim do período colonial não implicou mudanças na economia, embora tenha-se obtido a independência política, manteve-se a dependência econômica.
Os exageros do filme de Carla Camurati são demonstrados em algumas passagens. É nesse ponto, que chamamos a discussão para um aspecto importante. Embora a proposta do filme seja a sátira e, portanto, tende-se a exagerar os fatos de maneira a igualar os seres humanos em sua fraqueza, o enredo se detém sobre um período histórico, nesse sentido, a tentativa de se separar a ficção da realidade se faz importante. O cinema como qualquer arte, quando foca um determinado período histórico tem que também estar preocupado com a integridade dos fatos.
Assim, do ponto de vista da integridade histórica, não se justifica alguns estereótipos, mesmo levando em conta o estilo cômico do roteiro, que tem uma proposta satírica a ser explorada. Há, porém, espaço para uma ressalva: o cinema, por suas próprias características, é uma obra de síntese em que, muitas vezes, a adaptação de obras literárias se torna deveras complicada.
Levando-se em consideração os problemas orçamentários que Carla Camurati teve e o momento de crise que todo o cinema brasileiro passava no período da realização da obra, sem créditos governamentais, desinteresse dos investidores e a péssima distribuição das produções brasileiras, a obra torna-se um grande feito.
Todos esses fatores fazem do produto final motivo para muitas admirações, em que a criatividade e o jogo de cintura da cineasta estão a toda prova.
"CARLOTA JOAQUINA, PRINCESA DO BRASIL", filme de 1995, com direção de Carla Camurati e elenco fabuloso, encabeçado por Marieta Severo e Marco Nanini, mudou muitos dos rumos do cinema brasileiro.
O filme, como o próprio nome informa, retrata a vida, em sua intimidade, de Carlota Joaquina, a princesa espanhola que com dez anos de idade fora ofertada ao infante D. João VI, de Portugal. A diretora através de uma narrativa cômica enfatiza os escândalos que marcaram a vida de Carlota Joaquina e de toda a corte portuguesa. Entretanto, a película de Carla Camurati, além de entreter, faz uma radiografia do contexto que levou o Brasil à sua independência em 1822, a partir da vinda da família real portuguesa para o Brasil, em 1808.
Napoleão, que subiu ao poder na França, em 1799, pretendia transformar o seu país na maior potência da Europa. Na sua luta contra a Inglaterra, principal potência econômica da época, decretou o Bloqueio Continental, proibindo o comércio dos países continentais europeus com os ingleses. Para Portugal, que assinara vários acordos comerciais com a Inglaterra, não restou outra, senão a alternativa de continuarem a serem aliados. Irritado com a posição adotada por Portugal, Napoleão mandou então que o território português fosse invadido pelas tropas francesas.
A primeira medida adotada por D. João ao chegar ao Brasil, na Bahia, foi a abertura dos portos às nações amigas, rompendo o monopólio metropolitano português. Da Bahia, onde aportaram inicialmente, seguiram para o Rio de Janeiro, que possuía estrutura para abrigar toda a corte. D. João ordenou que as melhores residências fossem desapropriadas para acolherem os portugueses. Nas portas foram gravadas as iniciais PR (príncipe-regente), que passou, ironicamente, para os bastidores da História como Ponha-se na Rua.
Outras medidas importantes foram adotadas como: a fundação do Banco do Brasil; a revogação do Alvará de 1785, que proibia a existência das manufaturas no Brasil; criação da Biblioteca Nacional e do Jardim Botânico; e fundação da Imprensa Régia. Promoveu a vinda da Missão Francesa, em 1816, que trouxe Jean Baptiste Debret, que retratou as cenas do cotidiano da cidade em lindos desenhos.
Portugal vivia uma grave crise política, pois passou a ser governado por um Conselho de Regentes ingleses. A situação econômica também era precária. Diante de tudo, os portugueses iniciaram, na cidade do Porto, um movimento revolucionário com o objetivo de expulsar os ingleses do Reino e reinstalar a sede do governo em Lisboa, com a volta da família real. Os revoltosos convocaram uma Assembléia Constituinte, chamada de Cortes Gerais, acabando com a monarquia absolutista.
Os Estados Unidos reconheceram a independência brasileira através da Doutrina Monroe: A América para os Americanos. No ano seguinte, Portugal também o fazia, após o pagamento, por parte do governo brasileiro, de 2 milhões de libras de indenização, emprestados da Inglaterra.
Como do processo de independência só participou a aristocracia brasileira, não a população, o fim do período colonial não implicou mudanças na economia, embora tenha-se obtido a independência política, manteve-se a dependência econômica.
Assim, do ponto de vista da integridade histórica, não se justifica alguns estereótipos, mesmo levando em conta o estilo cômico do roteiro, que tem uma proposta satírica a ser explorada. Há, porém, espaço para uma ressalva: o cinema, por suas próprias características, é uma obra de síntese em que, muitas vezes, a adaptação de obras literárias se torna deveras complicada.
Levando-se em consideração os problemas orçamentários que Carla Camurati teve e o momento de crise que todo o cinema brasileiro passava no período da realização da obra, sem créditos governamentais, desinteresse dos investidores e a péssima distribuição das produções brasileiras, a obra torna-se um grande feito.
Todos esses fatores fazem do produto final motivo para muitas admirações, em que a criatividade e o jogo de cintura da cineasta estão a toda prova.
'Papo de Cinemateca - Muito Cinema Pra Todo Mundo'
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O autor:
Formado em História, pela Faculdade de Filosofia Santa Dorotéia e Comunicação Social/Jornalismo, pela Universidade Candido Mendes. É professor da rede estadual do Rio de Janeiro, escritor, colunista e roteirista.
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