PiTacO do PapO - 'As Boas Maneiras' | 2018

NOTA 9.0

Por Rogério Machado

Não faça isso, não faça aquilo. Não toque nisso. Não fale palavrão, hein?! Não coma isso, coma aquilo. Não fale de boca cheia. Tenha postura à mesa. Fale baixo, fale alto. Não seja quem você é, siga o padrão da maioria. Tenha boas maneiras...  

'As Boas Maneiras', novo trabalho da dupla Marco Dutra ('O Silêncio do Céu'- 2016, 'Quando eu Era Vivo'-2014) e Juliana Rojas (Sinfonia da Necrópole - 2016), aposta no cinema de horror e fantasia para falar de comportamento, sobre ter de seguir um padrão para se encaixar na sociedade. O longa que levou três troféus Redentor no último Festival do Rio e o prêmio especial do júri no Festival de Locarno, finalmente chega em circuito comercial essa semana aos cinemas. 

A história se passa  em São Paulo, onde conheceremos  Ana (Marjorie Estiano), uma jovem rica do interior de Goiás que foi ignorada pela família e partiu pra longe para cuidar da própria vida depois de (ao que tudo indica), 'descumprir' o código social daquele meio. Ana então contrata Clara (Isabél Zuaa)  para ser sua empregada e ama do seu filho que estava por nascer. À medida que a gravidez avança, Ana começa a revelar um comportamento bizarro, especialmente durante as noites de lua-cheia. Mas, por mais que Clara se aperceba de que há algo de muito errado naquela casa, ela nunca poderia imaginar o que aconteceria assim que a criança visse à esse mundo.

Vestido das mais variadas referências, como os musicais da Disney por exemplo, a espinha dorsal de 'As Boas Maneiras' é mesmo o cinema de horror, mas não propriamente com o intuito de dar sustos ou causar arrepios. O toque conceitual na roupagem dada ao filme, - desde a fotografia (do grande Rui Poças) ou o modo colorido como a cidade de São Paulo é retratada, até à produção de arte ou ainda as músicas usadas no filme - , vão além do que contar a história de uma mulher que engravidou de um lobisomen (simbolo da mitologia grega, muito bem incorporado na nossa cultura), que anda sonambula nas noites de lua cheia e tem sede de sangue; a narrativa trata de questões sociais e mergulha fundo também no cinema de gênero para chegar com inventividade ao espectador. 

Em conversa com os diretores, pude perceber  que a intenção da produção é também colocar na mesa uma temática social com criatividade, mas muito mais que isso,  homenagear tudo o que consumiram durante uma vida inteira enquanto fãs de filmes de terror e musicais clássicos. A dupla demonstra o entendimento do gênero que optaram por homenagear, fazendo também reverência a cineastas como o italiano Dario Argento (a fábula 'Suspiria', de 1977) e o francês Jack Tourneur ('Sangue de pantera', 1942).

Mesmo lançando mão da linguagem de horror, Rojas e Dutra levam ao limite essa proposta de fabular sobre a realidade, misturando crônica social – uma sofisticada alegoria dos excluídos no Brasil de hoje – com as possibilidades do gênero fantástico. 

Embora estejamos falando de uma coprodução com a França, o filme tem em seu DNA, não só o modo de fazer cinema do brasileiro, tendo o plus dos efeitos especiais por uma equipe estrangeira que, mesmo com todos os irretocáveis apuros técnicos, não descaracterizam o que o nosso cinema tem de melhor: o poder de argumentar e fazer refletir sobre o nosso modo de viver. 

Super Vale Ver !

DIREÇÃO

• Juliana Rojas, Marco Dutra

EQUIPE TÉCNICA

Roteiro: Juliana Rojas, Marco Dutra

Produção: Clément Duboin, Frédéric Corvez, Sara Silveira

Fotografia: Rui Poças

Trilha Sonora: Guilherme Garbato, Gustavo Garbato

Estúdio: Canal+, Centre National de la Cinématographie (CNC), Dezenove Som e Imagem, Filmes do Caixote

Montador: Caetano Gotardo

Distribuidora: Imovision

ELENCO

Adriana Mendonça, Andrea Marquee, Caetano Gotardo, Cida Moreira, Clara de Cápua, Felipe Kenji, Germano Melo, Gilda Nomacce, Hugo Villavicenzio, Isabél Zuaa, Ivy Souza, José Eduardo Gomes, Ledda Marotti, Lilian Blanc, Luciana Paes, Marat Descartes, Marjorie Estiano, Miguel Lobo, Naloana Lima, Neusa Velasco, Nina Medeiros