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'Noites Alienígenas' : longa reintegra ao “planeta” Brasil um território ainda inexplorado por nosso cinema | 2023

NOTA 8.0

“Pra mim, otário é quem fica num mundo só. Sacou?”

Por Alan Ferreira @depoisdaquelefilme 

Em rápida pesquisa pelo significado do termo “alienígena” nos dicionários, vemos que o mais recorrente orbita ao redor do conceito de “algo ou alguém que veio de outro mundo”. E, por mais absurdo que isso ainda possa parecer, há lugares neste país que ainda parecem distantes demais para a miopia xenófoba que ainda persiste em certos olhares localizados mais ao sul. Embora as tais noites do título representem o triste resultado da migração de facções criminosas do Sudeste que colocam Rio Branco, capital do Acre, na rota do tráfico de drogas, conferindo-lhes os tais ares alienígenas, a história contada pelo longa de estreia de Sérgio Carvalho não poderia ser mais brasileira.

Baseado no livro homônimo escrito pelo próprio cineasta, “Noites Alienígenas” desponta no universo cinematográfico brasileiro com imagens nítidas de um planeta ainda desconhecido, mas que precisa ser descoberto e reintegrado à nossa galáxia social. Nos primeiros minutos, a sensação é a de que se trata de um filme-painel cujos personagens ajudam a mapear a periferia acreana à medida que perambulam por ela, algo próximo do que já fizera Claudio Assis com a cidade de Recife no já clássico “Amarelo Manga”. No entanto, aos poucos, vamos tomando consciência de quem são os protagonistas, em predileções feitas pelo roteiro que acabam excluindo de certa maneira figuras importantes por sua representatividade.

A fotografia de Pedro von Krüger em muitos momentos coloca a câmera nos ombros daqueles que caminham pelos becos e palafitas, vítimas da degradação que é fruto de um processo desordenado de ocupação e estabelecimento de parte da população urbana, algo comum na formação das metrópoles brasileiras. Contudo, não são raros enquadramentos estáticos em locais específicos, que aproveitam a estética da comunidade rap do local, o que ajuda a criar uma estranheza que reflete essa busca por apresentar cenários que evocam uma curiosa atmosfera sci-fi, quase como se os recorrentes encontros fossem realizados à parte das demais ações presentes na narrativa: um refúgio jovem que serve para a manutenção de um algum senso de coletividade.  

O elenco é, sem dúvidas, um ponto forte do projeto. Se Gleice Damasceno e Kika Sena são pouco a pouco escanteadas, Gabriel Knoxx e Adanilo ganham amplo espaço, sustentando bem os dramas de seus personagens. Ambos interpretam jovens que estão em pontas distintas de toda a questão envolvendo o crescimento das disputas pelos pontos de vendas de drogas, sendo o primeiro um talentoso grafiteiro que é cooptado pelo crime justamente por não ter outro horizonte à sua frente, e este último, cuja luta contra a dependência química reflete bem o abandono vivido pelos habitantes indígenas da região, acaba virando um símbolo da aculturação promovida pelo contato destruidor das novas armas do homem branco, que o afastam do seio da família e das tradições de seu povo. Completam o elenco principal um sempre inspirado Chico Diaz, no papel de um traficante que possui um olhar mais poético e transcendental acerca de suas práticas ilícitas, e Joana Gatis na pele de uma mãe que tenta impedir que o filho seja tragado pelo buraco negro da criminalidade. Chico e Joana, aliás, protagonizam uma das mais belas cenas do filme, na qual amparo e desamparo se fundem – difícil saber quem segura quem ali – iluminados por uma melancólica luz de fim de tarde ao som de Porto Solidão de Jessé.

Repleto de diálogos naturalistas que correm soltos, sem cortes que lhes tirem a fluidez, e através de planos que acompanham o caminhar de personagens cambaleantes na corda bamba social que ironicamente atravanca qualquer mobilidade, o grande vencedor do último Festival de Gramado nos transporta para um cenário pouco visto no cinema nacional. E no percorrer por aquele solo, “Noites Alienígenas” nos coloca diante de seres perdidos em meio a um novo mundo nocivo que se ergue, com caciques inescrupulosos que só respeitam o lucro, fazendo com que os descendentes de nossos povos originários experimentem mais uma vez o amargo sabor da invasão. Um processo tão lamentavelmente brasileiro, cotidiano desde a gênese desse gentílico, que fica impossível não pensar nos dias e noites alienantes vividos por quem ainda não viu este Brasil.  






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