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'Pânico VI' : entre tensão caricata e autocrítica, novo filme relê a franquia como objeto de si mesma | 2023

NOTA 9.0

Quem é que se importa com o filme?

Por Vinícius Martins @cinemarcante

Fui ao Google pesquisar o termo "reinventar", mesmo sendo ele autoexplicativo, só para ver quais colocações o sabe-tudo daria para a palavra. Não encontrei nada surpreendente ou fora do óbvio, no fim das contas. No entanto, me chamou a atenção a relação de sinônimos que "reinventar" possui. São eles "recriar", "refazer", "reproduzir", "recompor", "reconstituir", "restabelecer", "reformular" e "reelaborar". Palavras parecidas, é claro, e que no contexto adequado cumprem uma função indicativa similar. O significado aberto de cada uma delas, contudo, é o mais interessante a ser notado. Veja bem: cada palavra dentre essas dispostas como sinônimos se encaixa com perfeição como uma definição variável de 'Pânico VI', que chegou aos cinemas no disputado mês de março de 2023. Isso aparentemente deveria ser um precursor para limitar a obra a ser meramente mais do mesmo, mas é aí que o "reinventar" prevalece. 'Pânico' é, desde sempre, sobre a autocrítica do gênero do terror slasher e uma explanação que beira a autoconsciência acerca dos absurdos de si mesma, e este novo filme sabe flertar muito bem com esse conceito.

Os vilões de 'Pânico' são sempre sádicos e fetichistas, e particularmente acho muito interessante (e até charmoso) como a própria franquia critica isso enquanto replica os mesmos clichês aos quais aponta o dedo. Temos aqui um filme que recria uma equipe protagonista, refaz uma leitura satírica sobre o gênero, reproduz todos os clichês possíveis, recompõe a franquia ao patamar inventivo de Wes Craven, reconstitui os assassinos dos filmes anteriores e os incorpora em sua narrativa, restabelece a máscara já banalizada como símbolo de terror, reformula sua apresentação principal e reelabora o tabuleiro onde o jogo acontece, saindo agora da pacata Woodsboro e adentrando os becos sujos de Nova York. Isso significa que tudo funcione como deveria? Bem, aí depende da boa vontade de cada espectador. A aceitação do absurdo demanda algum esforço em algumas cenas, principalmente onde indivíduos que acabaram de ter o bucho perfurado por uma faca que lhes adentrou até o cabo continuam lutando ou correndo como se aquilo não passasse de um arranhão superficial; por outro lado, isso pode ser interpretado como apenas mais um clichê absurdo de filmes como esse. Em todo caso, o diferencial aqui é que o filme tem a ousadia de rir de si mesmo, e isso é incrivelmente satisfatório.

O que mais gosto na franquia 'Pânico' é a linha delicada em que os filmes se equilibram, balançando entre o caricato e niílico e sempre evidenciando a monstruosidade humana com um humor mórbido e ácido de quem entende o lugar que ocupa na indústria. Tem coisas que só 'Pânico' tem o aval do público para fazer, e o festival de atrocidades e absurdos que ele arremessa da tela para o público não é meramente entretenimento, mas sim uma crítica ao próprio público que o assiste. Aqui não é diferente, mas existe um quê a mais. O novo filme brinca com o imprevisível e diverte sem esforço, fazendo da franquia que existe dentro dela mesma como um objeto de estudo e contemplação sem apelar ao vitimismo banal, mas subvertendo a si mesmo como artimanha de enganação para ocultar o rosto sob a máscara. É divertido ver os filmes 'Facada' e outros títulos clássicos sendo usados como guia indicador (tal qual ao X que Martin Scorsese inseriu em 'Os Infiltrados', de 2006), como se o cinema usasse a si mesmo para prenunciar as mortes e ditar quem é descartável com uma verbalização literal.

Com um terceiro ato tradicional à lá 'Scooby-Doo', 'Pânico VI' se apresenta não somente como uma sequência, mas também como parte de uma franquia onde os personagens sabem suas próprias funções narrativas e tem consciência do contexto em que estão inseridos. Sendo o portador de algumas das cenas mais tensas dentre todos os filmes, este sexto capítulo da saga dos sobreviventes do Ghostface tem todos os méritos de um jogo memorável de detetive. Surpreendendo e cativando através de algumas resoluções inventivas em meio ao oceano de clichês por onde navega, o filme se torna memorável por sua objetividade e, principalmente, pelo coração que coloca na relação entre as irmãs Sam (Melissa Barrera) e Tara (Jenna Ortega). Algumas coisas funcionariam melhor no contexto de uma cidade pequena como Woodsboro, e Nova York acaba sendo apenas um nome, já que o filme parece não se importar com a dimensão da cidade que agora adota para si; mas no fim das contas, a reinvencionice funcionou e o saldo é pra lá de positivo. Como o próprio 'Pânico VI' afirma em uma de suas linhas de diálogo, "as franquias só sobrevivem subvertendo as expectativas." 





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