'Maestro' : Bradley Cooper retorna ao posto de diretor em filme que revisita a vida pessoal de um gênio da música | 2023
NOTA 6.0
Você nem sabe o quanto precisa de mim
Por Vinícius Martins @cinemarcante
Que Bradley Cooper é um grande artista todos já sabemos. Em 2018 ele conquistou uma notoriedade imensa com seu debute no cargo de diretor com o premiado ‘Nasce Uma Estrela’, e agora retorna ao posto assumindo um papel quádruplo de cargos em ‘Maestro’, como diretor, produtor, roteirista e ator. O longa, que é um original Netflix, tem como chamariz uma leitura sobre a vida do maestro estadunidense Leonard Bernstein e a intimidade de sua vida matrimonial. Ocorre que, contudo, o filme tem dividido muitas opiniões devido ao modo como a trama foi estruturada, com um direcionamento que visita superficialmente alguns momentos da vida de Bernstein e de sua esposa Felicia Montealegre, priorizando a narrativa frágil de um romance conturbado acima daquilo que de fato provoca a arte do maestro em questão - como o próprio filme anuncia já em seus primeiros minutos.
A trama se desenvolve ignorando uma leitura mais profunda sobre a genialidade do grande musicista e regente que Bernstein foi e escolhe dar mais destaque aos conflitos de Felicia, mostrando o quão complicado foi orbitar a grande estrela que o maestro era com suas preferências não-monogâmicas, e a dificuldade de amá-lo tendo que tolerar esses hábitos humilhantes. Assumo que, assim como a maior parte da crítica, eu também não gostei tanto das escolhas que o filme tomou em uma primeira visita. Porém, há de se observar que a verdadeira estrela do filme e quem o protagoniza de fato é a Felicia de Carey Mulligan, que rege a conexão mais efetiva entre o público e a trama. Quando observado desse ângulo e assumida essa figura protagonista, a compreensão sobre o filme pende a mudar. Ela é a grande regente da vida pessoal de Bernstein, o grande amor por quem ele se apaixonou de imediato, e o filme a destaca em meio a sombra do grande artista renomado de forma literal para confirmar que é dela o brilho nesse filme.
A produção é minuciosamente calculada em sua pontualidade musical. O design adotado pela fotografia também enche os olhos, alternando formatos de tela e paletas de cor que vão desde a escala de cinza e movimentações dançantes e perambulantes de câmera até os coloridos apáticos e parcialmente saturados, com uma câmera mais sóbria e estática, dando um tom mais drástico aos fragmentos da vida do casal exposto na tela. O elenco está plenamente envolvido, e a entrega de Cooper e Mulligan aos seus papéis é linda de ver. São muitas qualidades, muitas mesmo. Tantas que ouso dizer que são até demais. Após concluído, o filme me transmitiu uma atmosfera muito técnica e pouco emocional no que diz respeito ao aprofundamento na intimidade, com exceção da performance de Mulligan, que ao meu ver é digna de Oscar. É um filme belo, mas cuja preocupação em ser belo fica nítida e se sobrepõe à naturalidade. Falta um cadência natural que conecte todo o escopo. Culpa de uma montagem equivocada, talvez, ou ainda do roteiro que jogou pedaços temporalmente bem espaçados na história e não deixou o público maturar algumas informações. Como resultado, um segundo ato penoso que foi um dos poucos em 2023 que me fez olhar o relógio para saber quanto do filme ainda faltava até acabar.
Contudo, minha maior ressalva para ‘Maestro’ reside no fato de que o filme cai em uma contradição existencial quando deixa de mostrar a arte do personagem para mostrar como consegue, enquanto filme, ser artístico para retratá-lo. Não há muito espaço para o Bernstein metódico e efetivamente maestro, nem para uma exploração quanto ao desenvolvimento de sua técnica e suas inspirações mais profundas. Tudo é pincelado por alto e nunca aprofundado de modo a levar o público a compreender a figura do homem a quem o filme aparentemente se refere. Claro, existem algumas cenas - muito boas, por sinal - de condução do maestro com orquestras e coros, mas o filme se abstém de mostrar como Bernstein saiu de um homem comum para um ícone tão forte no ramo musical. Isso faz o filme parecer desinteressado em seu maior propósito. É como se Cooper pegasse uma cartilha de coisas premiáveis e fizesse um check-list para compor este novo filme - há quem discorde, mas se você olhar atentamente verá que tem tudo lá. Isso, todavia, não se torna propriamente um demérito ao filme, mas cria uma espécie de aura onde fica nítida a expectativa do realizador por alcançar um reconhecimento pelo que consegue fazer, mas o faz sem se preocupar com as motivações corretas.
Reforço que o filme é tecnicamente belíssimo, e já vislumbro algumas indicações ao Oscar e aos demais prêmios dessa temporada - mas é nos excessos da técnica que mora o componente que vem a desarmar uma parte significativa do projeto. Por vezes é uma beleza vazia, morna e inconsistente, que bem pouco comunica e não se preocupa em gerar vínculos com o lado de cá da tela. Uma pena, porque está tudo lá e acabou ficando elipsado com as passadas de ritmo que os realizadores decidiram empregar. Isso gera uma indefinição narrativa que, além de confundir, ainda gera fadiga e cansaço durante a exibição. Como bem pontuou Maria Catarina, do canal 16mm, “‘Maestro’ é uma cinebiografia que perde muito por se apoiar em uma história de amor e uma história de amor que perde muito por estar enquadrada em uma narrativa cinebiográfica”. Uma sentença perfeita para a oportunidade desperdiçada aqui. Mas apesar da inconsistência, ainda é um filme muito bem feito em suas minúcias e merece ser apreciado. Fica a torcida para que Cooper volte a acertar o fator emocional em um próximo projeto como acertou em seu filme anterior.
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