PiTacO do PapO! 'Uma Dama De Óculos Escuros Com Uma Arma No Carro' - 2017
NOTA 9.0
'Ela só queria ver o mar'
Por Vinícius Martins @cinemarcante
Desde sua explosão musical e da dança esvoaçante de cabelos ao vento na abertura de 'Uma Dama De Óculos Escuros Com Uma Arma No Carro' (sim, é esse mesmo o nome do filme), já fica perceptível que as noções de saúde mental da moça que pula sobre poças d’água serão revistas e a percepção do público vai ser questionada de algum modo.
Logo nos primeiros minutos se apresenta uma cena que remete de imediato ao Golum, de 'O Senhor dos Anéis', quando Dany (Freya Mavor), a moça feliz citada acima, conversa com o espelho sobre suas fantasias em relação ao chefe e um improvável matrimônio entre eles - um fetiche que vai sendo mostrado com a mesma fixação que a protagonista tem pelo seu cobiçado.
A trama é aparentemente fácil. Dany, que é a dama do título, trabalha em uma firma e extravia o carro do patrão (interpretado com um tato preciso pelo ator Benjamin Biolay) para viajar rumo ao litoral. Sua intenção era tão simples que beirava a banalidade. Porém, apesar da aparência humilde do desejo de Dany, ela esbanja uma pompa que não condiz com o que vivia de verdade, e logo sua bela figura frágil dentro de carro clássico (um Thunderbird verde) começa a chamar a atenção; e tal atenção acaba rendendo um ataque de violência contra ela.
A coisa começa a ficar complexa quando todos que cruzam caminho com Dany juram tê-la visto fazer aquele mesmo trajeto na noite anterior, mas a moça jura não se recordar de nada. Surge então uma dúvida sobre a sanidade da dama, e tudo piora quando um cadáver e um rifle aparecem misteriosamente no porta malas do Thunderbird.
Pode-se notar, para os cinéfilos mais clássicos, alguns elementos que criam uma semelhança com a obra prima 'Psicose'(1960), do eterno Alfred Hitchcock: a moça toma para si algo que não lhe pertence, parte em uma viagem solitária, pára em um ponto a beira da estrada e é atacada; porém, a proximidade com tal obra não fica só nesses pontos, e acaba se espelhando também na consciência que o filme tem de si mesmo, expondo toda a áurea que engloba o mistério de forma gradativa, conduzindo o público através de elementos cenográficos em camadas quase imperceptíveis que vão se complementando em as suas respectivas soluções até a grande revelação final.
Entretanto, apesar de tais semelhanças, 'Psicose' e 'Uma Dama De Óculos Escuros Com Uma Arma No Carro' são filmes extremamente diferentes. Um mantém o mistério maquiado, gerando uma ansiedade quase calada, enquanto o outro escancara que algo está absurdamente errado desde o princípio. O charme de 'Uma Dama De Óculos Escuros Com Uma Arma No Carro' (é gostoso ficar pronunciando esse título) se expressa quase como uma dança, guiando em passos ritmados os olhares de quem o assiste enquanto a edição (que é de longe uma das melhores edições que vejo em muito tempo, sendo inclusive a melhor do ano até então) brinca com a imparcialidade de seus espectadores. Além da edição majestosa, deve ser destacada também a pegada forte que a fotografia tem, que trabalha as perspectivas e a luminosidade como uma criança travessa que descobre o mundo e suas fronteiras.
A atriz Stacy Martin, famosa por protagonizar o primeiro volume da obra cinematográfica 'Ninfomaníaca' de Lars Von Trier, abrilhanta ainda mais o elenco que dá um show sob a direção de Joann Sfar. Elio Germano faz um papel forte na pele do misterioso Stefano.
Não restam dúvidas de que 'Uma Dama De Óculos Escuros Com Uma Arma No Carro' (sério, ficar falando isso é viciante) é uma das melhores produções do cinema francês contemporâneo. Quente, sensual e sensível, o longa consegue ter um ritmo intenso e uma identidade singular, seja por sua ousadia em persistir na ciência do incompreensível ou pelo oculto que se esconde sorrateiramente em cada cena, dando dicas da verdade desde o início. Resta aplaudir esse filme fantástico e recomendá-lo a todos que tem bom gosto.
Super Vale Ver !
'Ela só queria ver o mar'
Por Vinícius Martins @cinemarcante
Desde sua explosão musical e da dança esvoaçante de cabelos ao vento na abertura de 'Uma Dama De Óculos Escuros Com Uma Arma No Carro' (sim, é esse mesmo o nome do filme), já fica perceptível que as noções de saúde mental da moça que pula sobre poças d’água serão revistas e a percepção do público vai ser questionada de algum modo.
Logo nos primeiros minutos se apresenta uma cena que remete de imediato ao Golum, de 'O Senhor dos Anéis', quando Dany (Freya Mavor), a moça feliz citada acima, conversa com o espelho sobre suas fantasias em relação ao chefe e um improvável matrimônio entre eles - um fetiche que vai sendo mostrado com a mesma fixação que a protagonista tem pelo seu cobiçado.
A trama é aparentemente fácil. Dany, que é a dama do título, trabalha em uma firma e extravia o carro do patrão (interpretado com um tato preciso pelo ator Benjamin Biolay) para viajar rumo ao litoral. Sua intenção era tão simples que beirava a banalidade. Porém, apesar da aparência humilde do desejo de Dany, ela esbanja uma pompa que não condiz com o que vivia de verdade, e logo sua bela figura frágil dentro de carro clássico (um Thunderbird verde) começa a chamar a atenção; e tal atenção acaba rendendo um ataque de violência contra ela.
A coisa começa a ficar complexa quando todos que cruzam caminho com Dany juram tê-la visto fazer aquele mesmo trajeto na noite anterior, mas a moça jura não se recordar de nada. Surge então uma dúvida sobre a sanidade da dama, e tudo piora quando um cadáver e um rifle aparecem misteriosamente no porta malas do Thunderbird.
Pode-se notar, para os cinéfilos mais clássicos, alguns elementos que criam uma semelhança com a obra prima 'Psicose'(1960), do eterno Alfred Hitchcock: a moça toma para si algo que não lhe pertence, parte em uma viagem solitária, pára em um ponto a beira da estrada e é atacada; porém, a proximidade com tal obra não fica só nesses pontos, e acaba se espelhando também na consciência que o filme tem de si mesmo, expondo toda a áurea que engloba o mistério de forma gradativa, conduzindo o público através de elementos cenográficos em camadas quase imperceptíveis que vão se complementando em as suas respectivas soluções até a grande revelação final.
Entretanto, apesar de tais semelhanças, 'Psicose' e 'Uma Dama De Óculos Escuros Com Uma Arma No Carro' são filmes extremamente diferentes. Um mantém o mistério maquiado, gerando uma ansiedade quase calada, enquanto o outro escancara que algo está absurdamente errado desde o princípio. O charme de 'Uma Dama De Óculos Escuros Com Uma Arma No Carro' (é gostoso ficar pronunciando esse título) se expressa quase como uma dança, guiando em passos ritmados os olhares de quem o assiste enquanto a edição (que é de longe uma das melhores edições que vejo em muito tempo, sendo inclusive a melhor do ano até então) brinca com a imparcialidade de seus espectadores. Além da edição majestosa, deve ser destacada também a pegada forte que a fotografia tem, que trabalha as perspectivas e a luminosidade como uma criança travessa que descobre o mundo e suas fronteiras.
A atriz Stacy Martin, famosa por protagonizar o primeiro volume da obra cinematográfica 'Ninfomaníaca' de Lars Von Trier, abrilhanta ainda mais o elenco que dá um show sob a direção de Joann Sfar. Elio Germano faz um papel forte na pele do misterioso Stefano.
Não restam dúvidas de que 'Uma Dama De Óculos Escuros Com Uma Arma No Carro' (sério, ficar falando isso é viciante) é uma das melhores produções do cinema francês contemporâneo. Quente, sensual e sensível, o longa consegue ter um ritmo intenso e uma identidade singular, seja por sua ousadia em persistir na ciência do incompreensível ou pelo oculto que se esconde sorrateiramente em cada cena, dando dicas da verdade desde o início. Resta aplaudir esse filme fantástico e recomendá-lo a todos que tem bom gosto.
Super Vale Ver !
Curiosidade aguçada no nível máximo, já vou baixar!!!
ResponderExcluirObrigada pela ótima dica e ótimo texto!