PiTacO do PapO - 'Hereditário' | 2018
Nota 9.0
Analisando essa cadeia hereditária...
Por Vinícius Martins @cinemarcante
Uma das maiores dádivas pra um cinéfilo é a surpresa. Hoje em dia é difícil se deparar com um filme desse tipo, que chegue aos cinemas sob o manto da ignorância do público. Cinemas são como restaurantes. Olha-se o menu e então se escolhe o prato a ser degustado a partir dele. No entanto, antigamente era comum solicitar ao chefe que o mesmo trouxesse um prato misterioso, de além do cardápio, de modo a surpreender alguém que se dispusesse a confiar no trabalho do mestre culinário. Hoje, com a geração nutella cheia de alergias psicológicas e mimimi, esse hábito se tornou tão raro quanto um unicórnio. O mesmo se aplica ao cinema. Com ingressos caros e os altos impostos do Brasil, as pessoas preferem apostar no que é mais seguro, mais garantido no quesito diversão, e assim investem em blockbusters e franquias, e poucas vezes (raríssimas) se dispõem a assistir a um filme pequeno sem nem ao menos saber do que ele se trata antecipadamente. Assumo que peguei esse hábito também.
Mas no dia vinte e um de junho de dois mil e dezoito, senhoras e senhores, eu saí da casinha e dei a cara a tapa indo assistir a um filme sem saber absolutamente nada sobre ele. E a experiência foi deliciosamente surpreendente! É uma missão complicada criticá-lo nesse Pitaco sem entregar partes cruciais da trama. Posso já avisar que o filme inicialmente é quase parado, com um ritmo peculiar, mas cresce e ganha forma na medida em que seus mistérios vão sendo explorados nas sombras. Trata-se de uma família complicada, que parece estar envolta em uma maldição que transpõe gerações. Parece, apenas. E se há um conselho que posso dar a quem for assistir é que não fique preso às aparências, pois aqui há armadilhas por todos os lados e as chances de você estar sendo enganado não só existem como também são grandes.
O terror pouco convencional conduz a criação de uma atmosfera lúcida, apesar das dúvidas quanto à sanidade de alguns personagens. Tal lucidez é vista em planos extensos onde o diretor Ari Aster mostra as constantes mudanças na expressão facial de seu elenco ao invés de apresentar logo de cara o que de grotesco se apresentou diante deles e lhes provocou tal reação. Aster conduz lentamente a câmera pelos corredores da casa quando há a necessidade de locomoção entre os cômodos, sempre levando o público a esticar o pescoço a cada novo corredor, gerando uma ansiedade constante e crescente, fazendo com que o mistério gere o medo pelo não-visto sob a conflitante consciência de estar sendo observado.
As informações que conduzem a trama são entregues aos espectadores com uma elegância rara, acrescentando elementos à desgraçada vida da família sem precisar ficar repetindo conceitos ou murmúrios além dos visíveis traumas que ficam nítidos no cotidiano do luto. A miniaturização de tudo por parte da matriarca coloca uma escala de proporção bem atraente às cenas e serve como uma bengala, auxiliando a apresentação de como a mulher entende o mundo e de como ela lida com seus problemas. A ideia de ser um espectador da própria história parece ser, para a mãe, bem mais agradável do que vivê-la de fato. Essa “covardia” se aplica também a outro personagem central, cujo medo de encarar a realidade como um fato consumado acaba impedindo-o de lidar com as consequências de seus atos. Seu demônio interior se faz viver em um retrovisor que ele insiste em não encarar e na própria imagem refletida em um vidro, mostrando uma versão dele que caçoa de si mesmo como se soubesse de seus pecados e medos mais íntimos, condenando-o.
As informações que conduzem a trama são entregues aos espectadores com uma elegância rara, acrescentando elementos à desgraçada vida da família sem precisar ficar repetindo conceitos ou murmúrios além dos visíveis traumas que ficam nítidos no cotidiano do luto. A miniaturização de tudo por parte da matriarca coloca uma escala de proporção bem atraente às cenas e serve como uma bengala, auxiliando a apresentação de como a mulher entende o mundo e de como ela lida com seus problemas. A ideia de ser um espectador da própria história parece ser, para a mãe, bem mais agradável do que vivê-la de fato. Essa “covardia” se aplica também a outro personagem central, cujo medo de encarar a realidade como um fato consumado acaba impedindo-o de lidar com as consequências de seus atos. Seu demônio interior se faz viver em um retrovisor que ele insiste em não encarar e na própria imagem refletida em um vidro, mostrando uma versão dele que caçoa de si mesmo como se soubesse de seus pecados e medos mais íntimos, condenando-o.
O elenco é composto por Toni Collette (de ‘Pequena Miss Sunshine’ -2006), Gabriel Byrne (do excelente ‘Mais Forte Que Bombas’-2015), Alex Wolff (de ‘Jumanji: Bem-vindo à Selva’ e irmão de Nat Wolff), Ann Dowd (da série ‘The Handmaid’s Tale’), e a surpreendente Milly Shapiro, que rouba a cena como a filha da família, Charlie Graham.
Esse novo filme da produtora A24 lembra em muitos aspectos, incluindo sua conclusão, ao filme ‘A Bruxa’, que dividiu o público alguns anos atrás. A exploração do satanismo é assustadora, e nesse aspecto o filme é, por ironia, impecável. ‘Hereditário’ precisa ser visto em uma sala com uma excelente distribuição de som (todo o filme de terror precisa, na verdade) principalmente porque, ao contrário dos filmes comuns, o terror aqui vem dos ruídos mínimos que se fazem no farfalhar de folhas ou no terrível som do estalar da língua, que nunca mais terá o mesmo significado após esse filme. Então fica a recomendação: não vejam o trailer e assistam esse filme direto na tela grande. E depois volte e diga o que achou...
Super Vale Ver !
DIREÇÃO
- Ari Aster
EQUIPE TÉCNICA
Roteiro: Ari Aster
Produção: Kevin Scott Frakes, Lars Knudsen
Fotografia: Pawel Pogorzelski
Trilha Sonora: Colin Stetson
Estúdio: PalmStar Media, Windy Hill Pictures
Montador: Jennifer Lame, Lucian Johnston
Distribuidora: Diamond Films
ELENCO
A.J. Moss, Alex Wolff, Ann Dowd, Austin R. Grant, BriAnn Rachele, Brock McKinney, Gabriel Byrne, Gabriel Monroe Eckert, Georgia Puckett, Gerry Garcia, Heidi Méndez, Jake Brown, Jarrod Phillips, Jason Miyagi, John Forker, Mallory Bechtel, Marilyn Miller, Mark Blockovich, Milly Shapiro, Rachelle Hardy, Shane Morrisun, Toni Collette, Travis Sanchez, Zachary Arthur
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