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Especial : Filmes Políticos | Parte 1: O Discurso

Por Vinícius Martins @cinemarcante


Em tempos confusos e imprecisos no cenário político nacional, é determinante termos uma visão ampla para uma análise abrangente quanto ao que realmente desejamos para o futuro. No que diz respeito ao cinema, existem diversas obras brilhantes (algumas não tão brilhantes, confesso) que servem como memorandos para fracassos e sucessos na consciência política que são importantes e merecem hoje, mais do que nunca, extrema atenção.

Na primeira parte deste especial, analisaremos filmes que abordam, entre outras coisas, a importância e a influência do discurso no meio político. Não, não falaremos de 'O Discurso do Rei', e nem listaremos os discursos mais belos e motivadores feitos por figuras políticas, como os vistos em 'Gandhi' ou 'Independence Day'; o foco aqui é trazer para vocês, leitores do Papo, filmes que são, por si só, um discurso. Trataremos também a influência dos filmes na geração de discursos de intolerância e revolta.

Quero deixar claro que me abstenho de minhas visões políticas para escrever esse artigo, procurando ser o mais imparcial possível em minhas declarações para não alimentar a chama estúpida da discórdia entre esquerda, direita e centro.

Para dar início a essa série, vamos então aos filmes! 
O Discurso.


A ONDA (2008)

O discurso do fascismo

Uma ideia, por mais simples que seja, pode mudar o mundo quando exposta da maneira correta. Isso é o que acontece no filme alemão 'A Onda’, onde um professor resolve inovar em sua aula e cria uma comunidade ideológica dentro da sala de aula como experimento prático em atividade com os alunos. Esse movimento, cujo nome dá título ao filme, é o ressurgimento de parte dos ideais pregados por Adolf Hitler. O ensaio ao neonazismo aqui tem função didática, para que os alunos entendam a lavagem cerebral feita em toda uma nação durante a segunda guerra, mas foge do controle quando os alunos carregam esses conceitos para fora da sala.


O filme contém uma forte crítica ao discurso e à ideologia, conduzindo os espectadores por uma inclinação quase imperceptível para o aceitável do propagar de um movimento assim. Seja pela visão de soberania ou pela mensagem de compaixão, esse filme é uma aula a ser estudada com toda a atenção por ser justamente um reflexo de pequenos movimentos ideológicos que são pregados por alguns candidatos à presidência da República e seguidos diariamente por milhares de pessoas. Fica a crítica ao endeusamento da figura de um homem ou da bandeira que ele levanta, servindo de lembrete que uma proposta fascista tende a terminar em tragédia.

A palavra que melhor define o filme é: Ideal.



O ÚLTIMO REI DA ESCÓCIA (2006)

O discurso da soberba

Quando se fala em regimes totalitários, logo se imagina o atual cenário que engloba todos os assuntos relacionados à Coréia do Norte. O que muitos não atentam, no entanto, é para regimes tão doutrinadores quanto este que estão ocorrendo nesse exato momento em alguns países da África. O filme aborda exatamente essas questões ao apresentar os dilemas vividos por dois grandes nomes do cinema mundial: Forrest Whitaker e James McAvoy.


O médico Nicholas Garrigan, personagem interpretado por McAvoy, é fictício e foi criado para romancear a trama; mas esse floreio inventado não diminui em nada o impacto da crueldade do terrível Idi Amin, presidente (ditador, na verdade) da Uganda, a quem Whitaker deu uma representação a altura da figura real do homem cruel. Com suas várias mulheres e sua fama de canibal, o ditador regia seu país com a ausência total da modéstia. Anunciava a si mesmo com vários títulos, entre eles o de último rei da Escócia e dono do universo, sem exagero. O filme é uma excelente obra para compreender o que permeia a mente de homens assim por mostrar os bastidores de seus regimes e suas ambições mais íntimas.

A palavra que melhor define o filme é: Insanidade.


ELE ESTÁ DE VOLTA (2015)

O discurso do retrocesso

Uma das maiores dádivas da humanidade é a capacidade da autocrítica. Para muitos, assistir a um filme que trata o nazismo com uma abordagem cômica parece ofensivo; agora assistir uma comédia nazista feita pelo cinema alemão consegue soar mais ofensivo ainda - só que não é. As pessoas tendem a se ofender facilmente com o humor e fecham os olhos para o potencial conscientizador e formador de opinião presente no gênero. Colocam limites para o humor e o enclausuram sob a redoma do politicamente correto, mas ignoram o fato de que não há limites para o drama da vida real e nem tampouco da fictícia. E os alemães pularam para fora da casinha e usaram essa ferramenta para criar uma das maiores obras de arte autocrítica da era contemporânea.


A premissa de trazer Hitler de volta dos mortos para os dias atuais e colocá-lo no mundo moderno pós-guerra é simplesmente genial - não somente pela ideia em si, mas pela interação que o ator que reencarna Hitler (Oliver Masucci) desenvolve em algumas cenas com as pessoas nas ruas sem um roteiro estabelecido, utilizando apenas o artifício do improviso e a ideologia do falecido ditador para arrancar reações e opiniões de estranhos nas praças e ruas da Alemanha. Há atores envolvidos, claro, mas algumas pessoas que abordaram o Fuhrer chegaram a ter seus rostos censurados para preservar a identidade. Hitler, que na história por vezes é tido como um imitador genuíno, ganha espaço popular e acaba sendo contratado por uma emissora de TV para apresentar um programa de auditório. E é aí que entra o grande dilema moral do discurso do longa 'Ele Está de Volta': os ideais de Adolf Hitler tem ainda nos dias de hoje força para formar opiniões e arrastar multidões como fez quase um século atrás? Um filme perigoso e delicioso que nos recorda que discursos de ódio podem vir desfalcados em palavras idealizadoras.  

A palavra que melhor define o filme é: Argumento.


A ENTREVISTA (2014)

O discurso da intolerância

É engraçado como algumas pessoas são incapazes de rir de si mesmas. Rir de si não é ser necessariamente ridículo, mas sim um reconhecedor de si próprio. No entanto, quando o assunto é política, esse senso de autoconhecimento parece estar longe de tocar os mais empoderados. Esse foi o caso do filme 'A Entrevista', estrelado por Seth Rogen e James Franco; bem, não é exatamente o caso do filme, mas da reação que aquele de quem o filme faz piada teve. O ditador norte coreano Kim Jong Un não gostou da ideia de ser uma piada cinematográfica (como se não fosse também na vida real) e ameaçou explodir cinemas caso o filme fosse exibido.


Neste caso não estamos comentando o tal filme de humor metade ácido metade pastelão, mas sim a repercussão que o cercou devido a essas declarações de ódio. A opção por falar desse ângulo se faz porque, se não fosse por esse posicionamento, o filme não seria tão falado na época de seu lançamento. O mais incrível é que esse comportamento só fez confirmar a figura mimada e intolerante retratada no filme. No fim das contas, o festival de ofensas defecadas oralmente foi mais atrativo do que o filme em si. Talvez, já que se trata de política, esse espetáculo de pães e palhaços tenha sido para desviar a atenção de algo maior - bom, pelo menos é isso que os próprios filmes políticos ensinam. O triste fato é que nunca saberemos.

A palavra que melhor define o filme é: Circo.



V DE VINGANÇA (2005)

O discurso da revolta

Quando os movimentos sociopolíticos lançaram um brado retumbante de cansaço governamental em 2013, na ocasião que chamo intimamente de “A Revolta dos Vinte Centavos”, muitas pessoas foram às ruas com um acessório peculiar que acabou se tornando um reflexo da rebelião: a máscara de Guy Fawkes, soldado inglês de orientação católica que se envolveu na conspiração da pólvora e se tornou um mártir. Hoje é inevitável o vincular da face pálida do protagonista V do genial 'V de Vingança’ com protestos que tomaram o país naquele ano. O filme de 2005 se faz ainda hoje atual e temivelmente atemporal, e apresenta um homem que, em sua vingança contra o sistema, decide usar a face de Fawkes para derrubar o parlamento inglês e destruir assim aqueles que o fizeram mal.


No entanto, trazendo a política do filme para a política real brasileira, houve um contraste enorme nos propósitos dos protestos que de tão absurdo chegou a ser contraditório. Pessoas com as máscaras iam às ruas e, quando o pau comia e a pancadaria vândala começava, gritavam em coro “sem violência” e “sem vandalismo”. Perdoe-me o palavrão, mas PORRA, VOCÊS NÃO VIRAM O FILME? Não entenderam o propósito do homem por trás da máscara? Não estou defendendo o vandalismo e nem tampouco o movimento anarquista, não me interpretem mal, mas a incoerência presente nesse caso é tão risível quanto alguém usando a camisa vermelha estampada pela silhueta de Che Guevara sem nem sequer saber de onde ele era, quem ele era e o que fez.

O filme é um espetáculo tanto em seu visual quanto em seu roteiro, e ensina uma lição que deveria ser compartilhada e abraçada por todos: a lição de que o povo não deve temer o seu governo, mas sim o governo temer o seu povo. Nessas eleições vamos nos lembrar de que somos nós que pagamos os salários desses patetas que ficam balbuciando asneiras na TV, então escolhamos com a sabedoria de patrões que escolhem seus empregados para que sua empresa funcione. A empresa da República Federativa do Brasil.

A palavra que melhor define o filme é: Justiça.


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Nas próximas matérias especiais os temas serão diferentes, explorando as mais diversas faces do gênero. Serão eles: o ícone, o jornalismo, o conflito e o Brasil.   Nossa próxima matéria especial sobre política trará filmes que levantam questionamentos e lições sobre o sistema. 

Alguns filmes da lista de hoje poderiam facilmente se enquadrar em outros temas, mas acreditem: ainda há muitos filmes para debatermos, e nenhum será repetido.

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