PiTacO do PapO - 'Toy Story 4' | 2019

NOTA 10

Ser ou não ser?

(ou “o quarto capítulo de uma trilogia”)

Por Vinícius Martins @cinemarcante

“Crianças perdem brinquedos todos os dias”. A frase, dita no prólogo do filme, é uma constante que permeia todos os longa-metragens da franquia ‘Toy Story’ desde o seu primeiro episódio, lançado nos cinemas no meio da década de noventa. Após a conclusão fatídica do terceiro longa, lá em 2010, ‘Toy Story 4’ agora surge como a personificação de um ritual. Enquanto os primeiros filmes tratam a quebra da zona de conforto, a redefinição dos próprios interesses e a aceitação de um destino inevitável, o quarto filme se apresenta como uma jornada de reencontro com a própria identidade e a compreensão elevada acerca da própria existência. Esses ritos são representações claras da evolução do indivíduo comum (que é o protagonista Woody) enquanto ele cresce e amadurece em paralelo com aquilo que ama (a “sua criança” Andy, nesse caso). O bom e velho relacionamento dos dois culminou na cena inesquecível que fecha ‘Toy Story 3’, que se ergue com o peso simbólico da passagem de uma tocha, quando Andy dá à garotinha Bonnie a missão de amar e dar utilidade aos brinquedos que o acompanharam em tantos momentos importantes da vida. Desta vez, o ritual é a proposta do reencontro consigo mesmo.

O amadurecimento é um tema recorrente em ‘Toy Story’. Começou com um brinquedo que precisava ceder à novidade, seguiu com esse mesmo brinquedo tendo que lidar com a urgência de escolher entre quem ele é e quem ele deveria ser, e continuou com o tal brinquedo e seus amigos diante da necessidade de seguir em frente e superar um rompimento. Neste novo episódio, o amadurecimento consiste em abraçar o próprio tempo e, por consequência, o próprio fim - contemplando, é claro, os meios que o formaram. Aqui são inseridos dilemas existenciais bastante cabíveis através do acréscimo de um novo personagem de aspecto muito curioso, que nada mais é do que um talher de plástico que foi transformado em brinquedo pelas mãos da garota Bonnie. O que ele é, no fim das contas? Ele é o que foi criado para ser ou ele é aquilo em que foi transformado? O destino final após o cumprimento de seu propósito, anteriormente o lixo, já não é mais a realidade que ele está fadado a encarar? Estes e tantos outros traços de crises filosóficas acerca do conceito do ser se consolidam de maneira universal nessa nova produção da Pixar Animation Studios, que exploram a fundo as ideias de alma, objeto, função e liberdade (tanto no ser livre para amar alguém quanto no ser livre para ser livre). Há uma subjetividade sobre a força que move os brinquedos, tanto no sentido de dá-los vida como também o de motivá-los, levantando questionamentos que todos sempre tivemos e entregando respostas interpretativas sobre o que seria a vitalidade dos brinquedos - o que rende excelentes cenas de diálogo com a dita “voz interior” e suas diferentes compreensões sobre a mesma.

A passagem da tocha, aqui, não se faz em deixar de pertencer a um alguém para passar a pertencer a outro alguém, não; ela se dá na novidade do pertencer a si mesmo. Este é um rito de passagem que compreende a importância de ser responsável por si, em parar de abdicar a própria felicidade em nome de causas que, mesmo embora muitas vezes sejam nobres, não valem a pena lutar ou enfrentar. É uma passagem que nos recorda que, às vezes, para se achar é necessário antes se perder.

Super Vale Ver !