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PiTacO do PapO - 'Projeto Gemini' | 2019

NOTA 7.0

Um Maluco em Dois Pedaços

Por Vinícius Martins @cinemarcante


O nome do diretor taiwanês Ang Lee é geralmente vinculado a grandes feitos do cinema, sendo quase como um presságio de filme bom. “O Tigre e o Dragão”, “O Segredo de Brokeback Mountain” e “As Aventuras de Pi” são apenas alguns dos filmes que o cineasta realizou nas últimas duas décadas, e estes três títulos lhe renderam um enorme reconhecimento na academia do Oscar - além de algumas estatuetas para a estante. Seu último grande sucesso chegou a ser considerado “O próximo Avatar” pela revista Time, dado o trabalho minucioso e detalhado feito na área dos efeitos visuais E agora, no calor de 2019, Lee tenta emplacar uma nova produção com adereços tecnológicos que prometem revolucionar a indústria do cinema como um tipo peculiar de divisor de águas. Mas será mesmo?

A resposta é um público dividido entre o fascínio da filmagem e a falta de espírito do texto. Falta para ‘Projeto Gemini’ a delicadeza de ‘O Tigre e o Dragão’, o intimismo de ‘Brokeback Montain’ e o deslumbre visual ao fantástico (não à fantasia, necessariamente) de ‘As Aventuras de Pi’. Sendo assim, vamos seguir com três partes separadas sobre o mesmo filme: o que há de bom, o que há de interessante, e o que há ruim. Categorizar parece ser mais fácil para explicar o quão terrível é essa ótima obra de arte.


Se há algo que mereça destaque positivo em ‘Projeto Gemini’ é a dinâmica de Lee para conduzir cenas de ação e torná-las acessíveis aos sentidos. O som bem distribuído faz tremer as poltronas do cinema em uma constante apuração do tato, e o intenso (e excelente, devo dizer) uso do 3D contribui para uma imersão vertiginosa nas sequências de perseguição e de horizonte aberto, dando um ótimo efeito de profundidade em contraste com alguns itens que são jogados para cima do público de tempos em tempos. As atuações são atraentes - mais pelo carisma do elenco do que por mérito dos personagens -, e a agente interpretada pela sempre bela Mary Elizabeth Winstead (a eterna Ramona Flowers) faz as graças do público ao “cair de paraquedas” em uma situação inusitada, mesmo tendo sido treinada para saber como reagir em situações assim; Benedict Wong esbanja simpatia com sua comicidade leve e destemperada, e Will Smith faz o protagonista de 50 51 anos cujas habilidades são invejáveis ao ponto de alguém querer fazer um clone seu e mandar sua versão jovem matá-lo (Hollywood tem fetiche em ver o Will Smith atirando nas pessoas sem nunca errar o alvo, sério; ‘Esquadrão Suicida’ que o diga). E a tecnologia usada para filmar o longa é deveras magnífica, com uma técnica de filmagem impressionante aos olhos e que promove uma experiência alucinante e até divertida; e é aí que vem a questão que torna o filme de fato atrativo.

Enquanto algumas obras merecem ser vistas e contempladas na maior tela possível, ‘Projeto Gemini’ precisa  de uma tela grande para ser atraente. O que faz o filme ser interessante é a tecnologia do HFR (High Frame Rate, que é um número superior de exibição de frames por segundo - os ditos FPS), que aqui alcança a notável escala 120:1. No entanto, o HFR não é propriamente uma novidade; quem inseriu essa tecnologia no grande mercado foi Peter Jackson em sua trilogia 'O Hobbit' [2012-2014], e de lá para cá não voltou a ser exibido de maneira massiva como agora neste novo filme. O próprio Ang Lee tentou promover a expansão da distribuição da tecnologia HFR em 2016, com seu filme ‘A Longa Caminhada de Billy Lynn’, mas o projeto não vingou perante o grande público. O HFR ainda é, para muitos, algo inédito que pode causar um certo desconforto visual pelo excesso de detalhes apresentados na cena.

Todavia, é justamente o mesmo fator que torna o filme interessante que o condena em seus deslizes. O maior pecado do uso do HFR 3D 4K (quantas siglas!) é que o excesso de nitidez deixa expostos todos os traços - bons e ruins - de um filme cujo enredo depende da utilização de uma tecnologia que quem frequenta o cinema já conhece bem, e que inclusive já viu ser melhor empregada em outras obras. Mais uma vez vemos, no mesmo ano, o rosto de Will Smith estampado em um CGI bizarro, como no surpreendentemente bom ‘Aladdin’ de Guy Ritchie - só que aqui com um aspecto plastificado (e não emborrachado, como o do Gênio), o que torna o clone de vinte e poucos anos um tanto inorgânico e, com o perdão da palavra, desalmado também. Sua aparente artificialidade começa a se dissolver conforme o filme vai evoluindo, mas não há a mesma delicadeza sutil do trabalho feito pela LucasFilm em ‘Rogue One - Uma História Star Wars’, quando trouxeram de volta o general Tarkin, que foi interpretado originalmente em 1977 pelo já falecido Peter Cushing. Outro ponto de ‘Gemini’ é o isolamento no enquadramento. Em uma cena de diálogo entre Smith e Winstead fica a impressão de que eles foram recortados digitalmente e colados sobre uma paisagem de fundo, como um papel de parede; não foi isso o que aconteceu, mas o vazio no horizonte e o foco destacando a presença deles, associado ao 3D profundo, cria essa ilusão de que o que vemos é ainda mais artificial. Em ‘O Hobbit’, por exemplo, havia informações em todos os cantos do vídeo que mereciam atenção, e Lee não consegue reproduzir o feito de encher e preencher a tela com uma fartura de detalhes que condiga com a tecnologia que usa; entretanto, é inegável que ele faça uso do HFR de maneira mais artística do que Jackson, uma vez que ele não o explora como um caça-níquel e condiciona as cenas de modo a fazer uma exposição detalhada em closes e expressões do elenco, e as cenas de ação terminam por se refletir com a elegância de um tango: agressivas, porém nítidas e graciosas.

Basicamente, o filme é portador de uma dualidade que se auto-confronta - sendo ele mesmo o tal "maluco em dois pedaços". Ele é excelente por sua tecnologia bem empregada, e terrível pelo roteiro que deixa o surpreendente inteiramente a cargo do uso dessa tecnologia. Para ser apreciado, o longa depende  de uma imersão que só se faz possível através dos artifícios de uma sala de cinema competente e dos adereços tecnológicos que proporciona, quando na verdade deveria cativar através de sua história em primeiro lugar. Os traumas do sniper vivido por Smith são abordados com a aparente pretensão de um gancho para uma futura resolução, mas são tão inúteis e dispensáveis que o próprio roteiro os esquece ou ignora quando poderia muito bem usá-los como vínculo para criar empatia. Pode-se dizer que o que vemos aqui é um festival de oportunidades perdidas, com uma tecnologia que poderia "operar milagres" e, com a dose certa de criatividade, criar um novo 'Avatar' de fato. Com uma trama previsível e uma conclusão insossa, ‘Projeto Gemini’ seria totalmente esquecível se fosse aos cinemas somente em um 2D simples com 24 FPS. Uma obra mediana, que no fim consegue ser boa e ruim ao mesmo tempo. Vale a pena ver, mas só se for com a expectativa de vivenciar a deliciosa experiência da inovação sem novidades em nome da técnica acima da empatia.


PS: Em nome de Santa Meryl Streep dos cinéfilos indignados, alguém mande Hollywood parar de dar papéis de vilão meia-boca para o Clive Owen!


Vale Ver !



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