Adsense Cabeçalho

PiTacO do PapO - 'Star Wars: A ascensão Skywalker' | 2019

NOTA 9.0 

Eis que referências se tornam reverências

Por Vinícius Martins @cinemarcante


Quando uma conexão íntima se estabelece entre uma obra e o seu público, ocorre um fenômeno curioso que só quem já viveu algo similar é capaz de compreender: um passa a ser parte do outro, e ambos se confundem entre si. O dito “fan-service” nada mais é do que uma troca de carícias entre os amantes, uma vez que a obra não consegue fazer sucesso sem um público grande e fiel, e de maneira igual não há público se não houver obra a ser idolatrada. E quando um ícone popular se estabelece como fenômeno em quase todas as culturas, quebra-se a barreira entre o real e o imaginário e surge, por consequência, a “dimensão do fã” - um lugar onde a história é livre para acontecer naturalmente, existindo de acordo com o modo como cada um entende e percebe a obra que ama. O maior problema dessa tal dimensão é que ela varia de pessoa para pessoa, e é inconstante por não ser homogênea e equivalente a todos. É nesse momento que as obras, cuja legião de fãs chega a números milionários, começam a decepcionar parcelas de seus seguidores. Com ‘Star Wars’ não poderia ser diferente, e chegamos a um filme que irá provocar ou o amor ou o ódio de seus enamorados, ou talvez, como foi o meu caso, os dois sentimentos ao mesmo tempo.


Feito de uma Força crua e recheada com ferocidade, 'A Ascensão Skywalker' é o ápice de toda a jornada de embate entre o lado sombrio e o lado luminoso. O filme é repleto de ação e reviravoltas inegavelmente impressionantes, independente de serem previsíveis ou não (algumas delas capazes até de provocar mini ataques cardíacos), entregando as informações em um ritmo frenético e acelerado, já que seu enredo se constrói sobre uma corrida contra o tempo e promove uma resolução definitiva para o confronto entre o bem e o mal nessa galáxia muito, muito distante. Há os fan-services, as novidades e as amarrações da franquia como um todo, abrangendo o conjunto desde ‘A Ameaça Fantasma’ (que tem uma rápida referência no terceiro ato) até os controversos eventos de ‘Os Últimos Jedi’, que antecede este último capítulo da saga dos Skywalker. Apesar disso, o filme não agradará a gregos e troianos, uma vez que foi colocado sobre ele grande expectativa. Há uma dualidade curiosa na produção, que me leva a ter duas opiniões distintas; uma de fã e outra como cinéfilo. Como fã, vejo o filme como preguiçoso e acovardado, embora também astuto e ousado. Pode parecer contraditório, mas ao assistir você verá que o filme, ao apostar no seguro, corre o grande risco de colocar tudo a perder por alterar conclusões até então definitivas. Já como cinéfilo, percebo nele um ar arrojado e mais digerível, como se quisesse contentar a todos ao mesmo tempo (o que pode ser um tiro no pé, já que quando se é tudo corre-se o risco de, por definição, também não ser nada) sem se arriscar tanto no novo e trazendo de volta o bom e velho apelo à nostalgia. Em todo caso, podemos dizer que o filme é uma vítima de sua própria circunstância.

Se por um lado há de se convir que o diretor J. J. Abrams fez o que pode com o que tinha disponível em mãos para resolver a questão de Leia, por outro fica difícil ignorar algumas coisas que parecem ter caído de paraquedas pelo mero bel prazer dos fãs de todas as trilogias. Há o retorno de Palpatine, o perverso Imperador que até então estava morto desde os acontecimentos derradeiros ao final de ‘O Retorno de Jedi’, mas sua presença (apesar de boa e interessante) soa como um escapismo confortável para “entregar doces” às bocas dos fãs mais chorões e inconformados, que clamavam por uma aproximação maior com a trilogia clássica. O resultado dessa mistura, em tela, tira boa parte do brilho que o filme poderia ter enquanto unidade, com uma identidade própria e força para sustentar a si mesmo sem ser tão apelativo - não que os apelos do filme sejam ruins, não; só não entregam nada realmente novo. O filme não é mais do mesmo; ele é mais de tudo.

Não podemos deixar de pensar no que "poderia ter sido" se Carrie Fisher não tivesse falecido em dezembro de 2016. Fica no ar aquilo que o resultado final não foi, e junto com isso permanece a expectativa de uma satisfação que nunca virá - pelo menos não como se esperava. Uma presença maior de Leia Organa em cena alteraria o curso da história de maneiras drásticas, e provocaria uma conclusão bastante diferente da vista neste nono episódio. Seu papel seria fundamental para o arco do filho, Ben Solo/Kylo Ren, e junto com esse arco a conclusão da saga em sua magnitude também seria concluído por outras vias. O desfecho de sua personagem foi, embora sensível e bonito enquanto homenagem à atriz, deslocado na trama em sua totalidade. Na ausência de uma solução melhor, colocaram-na em um local comum e a deixaram lá. Sobre sua presença visual em tempo de tela, perdoa-se o visível recorte da atriz e sua colagem sobre alguns cenários onde ela nitidamente não estava, só para evidenciar sua presença nas cenas do conselho rebelde e dar a ela algum destaque a mais além de somente citações ao seu nome. Todavia, é difícil não questionar a escolha do estúdio e do diretor em não substituir a atriz por outra tão qualificada quanto. Meryl Streep, por exemplo, poderia muito bem se passar por Leia com uma breve aplicação de maquiagem. Faltou a consciência de que a personagem é maior do que a atriz (ou ator, como ocorre nos casos de figuras igualmente icônicas na cultura pop como James Bond ou o Batman). Assim sendo, se torna uma tarefa complicada ignorar o fato de que faltou coragem para assumir que a história era mais importante do que a atriz, por mais querida e indispensável que ela e sua presença fossem. As circunstancias definitivamente fizeram o filme.

Ademais, dentro do contexto onde se insere, ‘Star Wars: A Ascensão Skywalker’ é uma conclusão respeitosa e agradável, que prefere apostar no seguro já conhecido pelos fãs e não se arrisca por novos caminhos como fez seu surpreendente antecessor. É um filme excelente e emocionante, mesmo se guiando por meios mais convenientes e de certo modo clichês. A esperança, como vemos aqui, é sempre a última a morrer, precisando apenas de uma faísca para se manter viva. E faíscas, meus amigos, não faltam no concluir desta franquia épica, iniciada por George Lucas há mais de quarenta anos. Rey, Finn e Poe deixarão saudades, e se mostraram tão relevantes para essa geração como foram Luke, Leia e Han para a primeira trilogia. O episódio IX funciona como um grande memorial, um altar de louvores à Força e ao equilíbrio que ela precisa ter para que o universo continue a operar em harmonia. Fecha-se agora um arco glorioso, mas que certamente ainda renderá grandes debates entre os fãs que amarem e os que não tiverem tanto apreço assim pelo capítulo final.

Quando uma conexão íntima se estabelece entre uma obra e o seu público, um passa a ser parte do outro, e ambos se confundem entre si. E ‘Star Wars’ sempre foi, em sua mais profunda essência, a representação viva disso. Feito por fãs para fãs, a nova trilogia encontra seu final com dignidade e calores no peito, recordando ao seu público que as maiores lutas que temos que travar são, na maioria das vezes, aquelas contra a nossa própria vontade.

Super Vale Ver !


Nenhum comentário