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PiTacO do PapO - 'Uma Mulher Alta' | 2019

NOTA 8.0

Por Rafael Yonamine @cinemacrica


O sucateamento da Leningrado no pós-guerra é a menor das adversidades expostas decorrentes do trágico embate militar. As sequelas mais profundas são as que persistem mesmo após o fim do conflito global.O legado dessa barbárie é capaz de corroer a sanidade das testemunhas e protagonistas e relativizar o que julgamos moral. Nesse ambiente, duas mulheres ex-combatentes de guerra evoluem suas perspectivas de vida num novo contexto de humanidade.


Ambas ainda sentem os golpes do passado. Iya passa a trabalhar num hospital de veteranos enquanto também cuida do pequeno filho da colega. A mulher de estatura intimidadoramente alta é paradoxalmente recatada e acometida por distúrbios neurológicos. A mãe, Masha, retorna da guerra e não faz cerimônias para demonstrar seu perfil expansivo. A sequência mais chocante e com maior poder de síntese da nova condição humana ocorre logo no início: a descontração da criança em brincar com Iya é correspondida com uma cena forte em que a cuidadora sufoca-a num gesto ambíguo de abraçá-la e deitar sobre ela. Não menos sensível é o teor da digestão do episódio por parte da recém chegada mãe Masha. Para atender o desejo de exercer a maternidade, a ex-combatente solicita a colega a "barriga de aluguel" dada sua condição infértil. Sem grandes discussões, sem remoer o recente trágico episódio.

O cineasta Kantemir Balagov é hábil em demonstrar a proporção da hostilidade que o pós-guerra pode ganhar. É um terreno cuja fertilidade seletiva elege o que o instinto demanda no momento, não há concessões para moralismos ou reflexões que possam frear o impulso do que se acredita que é pertinente. Tendo a moral adaptada, portanto, não há obviamente a pretensão de delinear traços de nobreza, mas também não é possível arbitrar contrariamente àquelas normas que têm forte apelo de legitimidade.

A dramatização, contudo, por vezes recai na contemplação de forma insistente. Concordo que a captura da nossa essência pode ser executada detidamente por meio de assimilações sutis não verbais. Mas o recurso é quase que banalizado e leva como acompanhamento um tom excessivo de diálogos em sussurros.

Mesmo não focando no contexto histórico, é um bom drama que captura com sensibilidade a mutabilidade da nossa condição. 


Vale Ver !


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