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"Cicatrizes" humaniza de forma sensível e criativa uma grave denúncia de nível Nacional | 2020

NOTA 8.5

Por Rafael Yonamine @cinemacrica


Exemplo notável de como trazer criativamente para o particular um sintoma coletivo. Em "Cicatrizes", a transposição é ainda mais poderosa por abordar uma grave denúncia de nível nacional. Ana, moradora da Sérvia atual, é uma mãe que matura a dor da perda do filho tido como natimorto. O instinto materno, mesmo 18 anos após a fatalidade, reluta em assimilar o golpe e persiste na intuição de que os fatos não foram devidamente explicados. Partindo da busca por evidências imediatas como o corpo da criança, a realidade ganha contornos de instabilidade quando Ana descobre alterações nos registros de nascimento do filho.


De forma elegante, o diretor Miroslav Terzic tangibiliza o que é um amargor arrastado por tantos anos. Os recursos técnicos dialogam com o drama da protagonista. O que se absorve não é uma investigação frenética, mas o andamento paciente da dor materna. Terzic propõe planos contemplativos desprovidos de excitação, reflexo imediato do estado de espírito da protagonista.

Ana personifica a "espera" no seu modo de atuar: por meio de longas observações de elementos cotidianos como um carro que estaciona ou um adolescente no metrô, que poderia ser seu filho, entendemos gradativamente que a personagem sofre de uma melancolia não passageira. Esse é inclusive outro mérito do filme: criativamente construir uma narrativa envolvente de um fato não engenhoso. Leva-se tempo para entender o motivo da cicatriz invisível no rosto de Ana, o roteiro se desenrola de forma assertiva em balancear o engajamento e a passividade da espera.

Mesmo considerando que os principais episódios de elucidações pareçam fáceis, o ponto que poderia alavancar ainda mais o potencial do objeto principal, a persistência materna, seria a melhor lapidação da angústia. Num contexto onde apenas a mãe sente e segue a verdade, mesmo contrariando decretos jurídicos e o diagnóstico de problemas psiquiátricos, seria um massacre emocional a imposição dessas restrições de forma mais vigorosa.

Se for cinéfilo, basta assistir com os olhos, é um filme incrível. Se for mãe, tenha certeza de que além dos olhos o coração vai te acompanhar.


Vale Ver !


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