Dica Telecine : 'A Divisão' | 2019
Por Rogério Machado
Lá se foram mais de 20 anos e é como se nada (ou quase nada, sendo otimista) tivesse mudado na atuação inescrupulosa da polícia em meio à contravenção. As notícias de policiais envolvidos com o crime ainda assombram a instituição, ora com o tráfico de drogas e armas, ora numa 'inofensiva' extorsão de rotina. É fato que em todo lugar existem bons e maus, mas é certo dizer que o último lugar em que esperaríamos índoles vacilantes, seria de onde esperamos o cumprimento da justiça e a proteção da comunidade. 'A Divisão' , que nasceu de uma série feita para a Globoplay, narra a história real de uma onda de sequestros que ocorreu no Rio de Janeiro no fim da década de 90.
O ano é 1997 e centenas de sequestros que acontecem no Rio faz com que a cidade fique cada vez mais acuada pela violência. O secretário de segurança, um militar, e o chefe de polícia (Bruce Gomlevsky), um socialista, convocam três tiras corruptos e um delegado (Silvio Guindane), com fama de genocida para salvar a cidade. Empoderados pelo sistema, assumem a Delegacia Antissequestro e, com inteligência e alguma truculência, desvendam os sequestros um a um. Na investigação mais delicada de todas, a do sequestro da filha de um deputado (Dalton Vigh), descobrem mais do que deveriam: uma máquina poderosa, corrupta e letal que passa por cima de leis e pessoas pra continuar alimentando um sistema cheio de vícios.
'A Divisão', felizmente, não é só mais um filme sobre a violência e corrupção da segurança pública no Rio de Janeiro. Vicente amorim, um diretor que desponta como promessa no cenário nacional de uns anos pra cá, remonta esse enorme quebra cabeças que une ficção e vida real com competência. O jogo de gato e rato entre a polícia corrupta, a bandidagem e a polícia honesta, segura toda a trama com boas doses de suspense, promovendo sequências de alto entretenimento e também servindo como canal de denúncia de como a máquina suja da gestão pública funciona, uma vez que dentro da engrenagem existem peças desreguladas.
O roteiro de Gustavo Bragança é afinado com o tema que abraça e não dá chance para desvios. O propósito em ser um thriller de ação é cumprido mas sem deixar de fora o contexto social em que se enquadra. Na ponta, direção e elenco vão além do 'dever de casa' no gênero, que conjuga ação e textos enxutos, com foco no suspense do ponto central da trama. É claro que, pensando ainda no uso do elenco, é notado que muitos são desperdiçados em função do grande número de atores em cena, o que não chega a prejudicar o desenvolvimento da produção. No campo técnico, a fotografia e o uso das câmeras nas sequências de ação são pontos que merecem ser ressaltados, grande parte da tensão provocada vem desses detalhes que aqui não passam despercebidos.
'A Divisão' deixa o gosto amargo da impunidade que ainda passeia livremente pelo país, e isso, apesar de parecer negativo, até pela conclusão daquele terrível episódio no final da década, reflete também a esperança na arte, que continua fazendo seu papel social em expôr a ferida aberta. O filme entrou recentemente no streaming da Rede Telecine.
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