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Liga vs Liga: Como o Snyder Cut conserta e amplia o DCEU

Por Vinícius Martins @cinemarcante 


Quando escrevi a crítica de ‘Liga da Justiça’, em novembro de 2017, classifiquei o filme como uma barulhenta ópera indefinida - e minha opinião sobre ele não mudou, mesmo após quase quatro anos. Apesar de ter dado uma nota até generosa na ocasião (afinal, eu o considerei bacana a despeito de seus inúmeros defeitos e de seguir uma cartilha que o faz ser apenas uma repetição de diversas coisas já vistas no gênero), ainda consigo me lembrar da sensação agridoce e meio surreal de ter assistido o filme errado, ou no mínimo uma versão alternativa daquilo que eu esperava encontrar. No lugar do prometido, encontrei um longa metragem difuso e, por consequência, indeciso, onde toda a problemática prometida anteriormente havia sido ignorada. Hoje em dia o filme continua me parecendo uma obra que não se decide entre ser “um filme sério que tenta ser engraçado” ou “um filme engraçado que tenta ser sério”, muito embora eu reconheça algumas qualidades nele - tais como a belíssima sequência dos créditos iniciais, onde mostra-se a sociedade pós-Superman ao som de ‘Everybody Knows’, canção clássica de Leonard Cohen interpretada pela voz da multi talentosa cantora Sigrid. E em meio a enxurrada de novas revelações sobre os percalços de sua produção conturbada, o ‘Liga da Josstiça’ (como passou a ser chamado o filme finalizado por Joss Whedon) agora é desconsiderado do cânone oficial. Contudo, hoje vamos comentar algumas diferenças entre os materiais e explicar como a versão do diretor conserta todo o universo compartilhado da DC nos cinemas, desfazendo algumas contradições que o filme de 2017 colocou na cronologia dos heróis.



Antes de continuarmos, porém, fica aqui o aviso de spoilers.

Clique aqui para ler a crítica de ‘Liga da Justiça’, de 2017

Clique aqui para ler a crítica de ‘Liga da Justiça de Zack Snyder’, de 2021


⧫ O FORMATO DA TELA


‘Liga da Justiça’ é um filme velho, e a edição do diretor parece saber disso; ao optar em assumir um formato de tela retrô, como os antigos filmes da era dos primórdios da indústria, Zack Snyder procura provocar um distanciamento visual da obra quasímoda de 2017. As dimensões de tela que estamos habituados a ver, tanto em casa quanto no cinema, são a widescreen 16:9 (1:77:1) e a scope 21:9 (2:33:1), que também é conhecida como widescreen anamórfico. As exibições em IMAX são as mais abertas, geralmente em 16:9 ou até maiores, mas as versões mais usuais dos filmes vem sempre com aquelas tarjas pretas nos lados superior e inferior da tela. ‘O Homem de Aço’ (2013) e ‘Batman vs Superman: A Origem da Justiça’ (2016) são filmes com o formato anamórfico, e ‘Liga da Justiça’ de 2017 assumiu a tela cheia de 16:9 até mesmo em seu formato de home-video. O Snyder Cut, por outro lado, segue por uma linha diferente. Para a realização do filme, o diretor Zack Snyder escolheu colocar tarjas laterais, mas não para cortar o filme, não; na verdade, foi para mostrar mais informações, verticalmente.


Mulher-Maravilha em uma mesma cena, com os formatos de tela diferentes


Existe uma extensa variedade de vídeos no You Tube mostrando a diferença nas dimensões de tela nas duas exibições. Caso tenha curiosidade, vale a pena procurar!


O VISUAL


A paleta de cores de uma cena dita exatamente o que quer ser transmitido com ela; alegria, urgência, melancolia, e por aí vai. No caso do universo idealizado por Snyder, a paleta de cores sempre assumiu uma linha mais sombreada, com menos brilho do que se vê convencionalmente em filmes de super-heróis, e essa decisão foi para imprimir um tom mais sóbrio e mais sombrio aos dilemas morais e existenciais dos protagonistas. Na versão finalizada por Joss Whedon, por outro lado, pode-se notar que a saturação de cores está em um nível diferente - mais vivo, mais “saudável”, e mais brilhoso também. Se comparada com a versão do diretor, a versão de 2017 parece até um bloco carnavalesco; principalmente no terceiro ato, após o ressurgimento do Superman e durante a batalha final. Vale citar que essa mudança no Josstice é gradativa. O filme começa com tons mais escuros, e vai clareando e saturando as cores na medida em que a “esperança” é retomada.


A versão de cinema (theatrical) comparada com a versão de Zack Snyder


Além das cores, há também a mudança nos contornos dos personagens feitos em CGI. O visual do Lobo da Estepe é a diferença mais notável, que na nova versão do filme passa a possuir uma armadura espinhosa e um porte físico mais parrudo. Seus chifres também estão diferentes; em 2017 eram mais verticais, e agora possuem uma inclinação diagonal.


As versões humanóides do Lobo da Estepe



A VIOLÊNCIA


O filme de 2017 é otimista e até amistoso, quando na verdade o prometido em ‘Batman vs Superman’ para o grande encontro dos maiores nomes da DC era brutalidade e pessimismo (um pessimismo no tom de urgência, obrigando os heróis a lutarem ainda mais para recuperarem a dita “esperança” simbolizada no uniforme do Superman). Com isso, o Josstice não foi ousado na retratação da violência, ao contrário do Snyder Cut, que pesa a mão e faz valer a ameaça do Lobo da Estepe. Tem decapitação de amazona, mutilação entre deuses, desmembramento com sangue esguichando, e isso sem falar na Mulher-Maravilha pintando paredes com sangue de criminosos.


O CASO DA MULHER-MARAVILHA

Conforme comentado no especial sobre ‘Mulher-Maravilha 1984’ (que você pode ler clicando aqui), havia uma disparidade gigantesca na cronologia dos filmes do universo compartilhado da DC,o DC Extended Universe (ou só DCEU), provocada pela existência desse segundo filme solo da heroína amazona. No Josstice há um diálogo entre Diana e Bruce em que este a questiona sobre onde ela esteve nos últimos cem anos, já que ele nunca nem sequer tinha ouvido falar dela até encontrar os arquivos de Luthor. Só que, como MM84 bem mostra, ocorreu um evento de escala mundial e todos conheceram a Mulher-Maravilha - ou pelo menos ouviram a sua voz, mesmo sem saber quem ela era. É incabível que Batman, o maior detetive de todos os tempos, não tivesse conhecimento sobre a existência de Diana caso aquele incidente em 84 tivesse de fato acontecido, até porque ele já era vivo naquela ocasião e certamente teria no mínimo acompanhado as repercussões do caso. A versão oficial de Snyder não tem esse diálogo conflitante, deixando a margem para que os acontecimentos do segundo filme da Mulher-Maravilha tivessem de fato ocorrido. Desse modo, o Snyder Cut não o confirma mas também não o anula.


O AVISO DE LEX LUTHOR


O SnyderCut impôs coerência ao final abstrato de ‘Batman vs Superman: A Origem da Justiça’, onde Lex Luthor faz comentários aparentemente aleatórios (que foram ignorados no Josstice) sobre um sino ter sido tocado e “eles terem ouvido, lá das estrelas”. A primeira cena do Snyder Cut é a encarnação das palavras de Luthor, que deu ainda mais sentido às complexidades de BvS.


O SONHO DE BRUCE WAYNE


Se o Josstice ignorou completamente o sonho de Bruce em ‘BvS’, Snyder fez questão de enfatizar sua visão criativa ao resgatar o incidente citando-o em seu corte final. Ao que tudo indica, essa questão será melhor empregada no vindouro filme solo do Flash, que deve inserir o conceito de multiversos no DCEU. Em um segundo filme da Liga da Justiça, caso acontecesse, veríamos a cena da visita de Flash a Bruce Wayne pelo ponto de vista dele. Snyder confirmou recentemente que estava em seus planos inserir a famosa Esteira Cósmica (que existe na mitologia do Flash desde 1961), e ela teria sido construída por Batman e Cyborg para dar mais segurança ao Flash em suas viagens temporais. Segundo o próprio Snyder declarou em uma entrevista ao CBM:


"Aquela cena teria uma explicação lógica [...] No futuro a Liga da Justiça já estaria formada, e o Flash seria enviado ao passado para alertar Bruce sobre a queda do Superman, que acabaria sendo controlado por Darkseid através da equação anti-vida [...] Quando o Flash é enviado para essa nova linha do tempo, ele vai para um momento mais próximo do futuro que ele estava tentando impedir que acontecesse. Nesse futuro Lois Lane é morta, e ela era a única capaz de recuperar a natureza humana do Superman. Com a Lois a salvo, o grupo teria alguma chance de reverter o domínio de Darkseid sobre o Superman."


Fica a expectativa de que os executivos da DC decidam levar adiante a visão de Zack Snyder, mesmo que com outro nome na direção.


A RESSURREIÇÃO DE CLARK KENT



Um dos pontos que muito me incomodou no roteiro do filme de 2017 é a resolução acerca da ressurreição de Clark Kent. O Superman ressurgir como uma figura pública é “ok” (afinal ele é uma figura sobre-humana), mas Clark (que foi inclusive anunciado como morto no Planeta Diário, que era onde ele tinha seu emprego civil) ressurgindo do mundo dos mortos sem ser questionado sobre o seu desaparecimento é algo no mínimo incoerente, principalmente depois da conveniente coincidência de seu reaparecimento ser simultâneo ao do Superman. Contudo, a versão de Snyder se abstém de corrigir essa questão, deixando as explicações plausíveis para uma próxima oportunidade (quem sabe um ‘O Homem de Aço 2’?).


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Não havia exageros na fala de Zack Snyder quando ele declarou, alguns anos atrás, que Cyborg era a alma de seu filme. Ele é, com o perdão do trocadilho, o componente mecânico que alavanca a trama da formação da Liga. Vemos aqui um Cyborg muito mais seguro de si mesmo do que aquele Cyborg flagelado do Josstice. No Snyder Cut pode-se ver também que existe uma nobreza apoteótica no Aquaman, sendo ele venerado com cânticos pela sua benevolência com as vilas isoladas e com os pescadores que se perdem. Aqui temos também uma definição mais nítida para as motivações do Lobo da Estepe, que adquire um caráter pessoal em sua ambição de unir as caixas maternas e, com isso,provar o seu valor ao seu superior, Darkseid - o que o torna bem diferente do filhinho da mamãe do filme de 2017, que parecia ter até um complexo de Édipo pelas caixas maternas, sempre se dirigindo à elas como amantes e como mães simultaneamente.


No fim das contas, o filme da Liga da Justiça ganhou um belíssimo upgrade com o lançamento do Snyder Cut. A versão final do diretor, com o dobro da duração da versão lançada nos cinemas, é muito mais completa e irradia emoções enquanto imputa sentido ao que se construiu em ‘Batman vs Superman’. A espera valeu, a campanha #releasetheSnyderCut valeu, e cada minuto das quatro horas conduzidas por Zack Snyder valeu a pena ser assistido. Que venha um futuro brilhante ao DCEU, e tomara que os executivos da Warner não estraguem tudo de novo.

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