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'Sem Remorso': a atualização de Tom Clancy para a “geração John Wick” traz elementos das histórias de máfia | 2021

NOTA 8.0

Por Alan Ferreira @depoisdaquelefilme

Numa das cenas que mais chamaram a atenção no trailer de “Sem Remorso”, o SEAL da Marinha John Kelly (Michael B. Jordan) ateia fogo a um carro e, logo em seguida, invade-o para obter informações de um inimigo encurralado, enquanto as chamas consomem o veículo. Ali já era possível detectar a assinatura de seu realizador, o italiano Stefano Sollima (“Suburra”), nesta nova adaptação para as telas de um romance de Tom Clancy.

Como é de praxe nas narrativas de espionagem elaboradas pelo criador do agente Jack Ryan, geralmente tendo a Guerra Fria como pano de fundo, “Without Remorse” (no original) é mais uma trama em que um indivíduo que acredita lutar pelos ideais de sua bandeira se vê jogado num turbilhão de situações misteriosas que, aos poucos, vão revelando conspirações de proporções internacionais nas quais soldados se descobrem como meros peões no tabuleiro de uma rentável estrutura belicista.

A partir desse núcleo techno-thriller caro ao autor estadunidense, turbinado pelo ritmo dos filmes de ação recentes, Sollima trará uma visão bastante particular desse universo, sobretudo através de seu modo de filmar, muito familiarizado com as histórias de máfia. Para o realizador, parece haver pouca ou nenhuma diferença entre os métodos da máfia italiana e os praticados por chefes de Estado mundo afora. Não é de se estranhar que ao longo da rodagem venham à mente cenas que parecem retiradas da série “Gomorra”, também capitaneada por ele, ou de filmes de mestres como Martin Scorsese e Francis Ford Coppola, o que pode ser sentido na sequência mencionada no início desse texto. Conspirações, disputas por território e muito sangue derramado dão a tônica dos negócios em ambas as esferas.

É preciso também localizar “Sem Remorso” no atual contexto do gênero ação estabelecido pós-“John Wick”. Fora a presença de um homem dotado de habilidades especiais que o transformam numa máquina de batalha lubrificada pelo desejo de vingança, o alcance de seu discurso político, respeitado pelo roteiro de Taylor Sheridan e Will Staples, amplia a caçada pessoal de Kelly para algo além do que tem sido oferecido em obras que cada vez mais se assemelham a games, com “etapas” a serem vencidas pelo protagonista. E se o longa consegue fugir do lugar-comum é muito por conta da inspirada mise-en-scène proposta por Sollima. Basta observar a forma como ele cria a tensão, antecipando-a através de uma trilha sonora similar à de seu “Sicário – Dia do Soldado” e com cuidadosos movimentos de câmera, na sequência em que Kelly enfrenta uma tropa de choque no ínfimo espaço de uma cela, num momento que remete ao excepcional “O Profissional” de Luc Besson.

E para cumprir as exigências físicas que um projeto desse tipo necessita, sem deixar de lado a potência de um olhar capaz de refletir os tormentos de uma alma fraturada num mundo de estruturas corrompidas, Michael B. Jordan se mostra uma escolha perfeita. Tanto ele quanto Jodie Turner-Smith (do pouco comentado “Queen & Slim”), cuja personagem funciona como uma espécie de bússola moral para Kelly, esbanjam talento e formam uma dupla da qual não queremos desgrudar. Já Jamie Bell e Guy Pierce sofrem para dar credibilidade a seus personagens, encaixotados pelas parcas possibilidades das pistas falsas criadas pelo roteiro de Sheridan – que já havia provado ser um especialista em construir nuances em joias como “A Qualquer Custo” -, deixando evidentes inconsistências que impedem o projeto de atingir seu esplendor.

Após encarar a imensa responsabilidade de assumir a sequência do formidável “Sicário – Terra de Ninguém” em seu début em Hollywood, Sollima finca ainda mais fundo seus pés no terreno da ação, mostrando-se um esteta cheio de predicados. Preocupado em lapidar com o máximo de esmero suas set pieces, ele entrega um exemplar de respeito a um filão que já havia reposicionado para o alto seu sarrafo na década passada e nos apresenta um novo rolo compressor na forma humana capaz de gerar enorme expectativa para o que ele pode atropelar no futuro, principalmente se continuar sendo desenvolvido por bons artífices e encarnado por um ator do calibre de Michael B. Jordan.    


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