Netflix resgata o terror das décadas de 70 e 80 para a nova geração em 'Rua do Medo: 1978' | 2021

NOTA 9.0

Sexo, drogas e bullying lançados em uma sexta-feira 9

Por Vinícius Martins @cinemarcante 

Contém inevitáveis spoilers leves.

Focado no ano de 1994 e lançado uma semana antes, o primeiro filme da trilogia 'Rua do Medo' terminou com uma curiosa sequência de "cenas do próximo capítulo" após um letreiro indicando que a história continua. Agora, seguindo o charmoso caráter piegas do antecessor para homenagear uma época icônica do cinema slasher, o novo filme da saga dos jovens de Shadyside se abre, justamente, com uma recapitulação do capítulo anterior. O longa-metragem em questão se estrutura como um segundo ato, isto é, dentro do modelo analisado por Syd Field, já que seu papel é transitório e, dentro do contexto em que é narrado, ele serve apenas para desenvolver a lenda estabelecida no filme 1. Aqui, com um retorno ao ano de 1978 para entendermos melhor a bruxa que há séculos aterroriza a cidade, tomamos uma noção maior do maligno a ser derrotado e recebemos pistas de como fazê-lo. 

Ao reconstruir o passado para ambientar o trauma de uma veterana e situar o público acerca de uma possível resolução para a problemática principal da trilogia, a obra amplia sua própria mitologia e prepara o terreno para a promissora terceira parte, que trará a expiação às origens da bruxa Sarah Fier e a derradeira conclusão para os conflitos indicados em '1994'. Para a personificação de sua proposta de diferença, há aqui uma reinvenção do primeiro filme da franquia 'Sexta-Feira 13', de 1980 (aquele com o Kevin Bacon), mas, assim como a parte 1 desta trilogia (quando a máscara do assassino caiu e seu rosto foi revelado durante a primeira grande morte), existe um ponto de ruptura quando a idealizadora Leigh Janiak diz novamente "este não é um daqueles filmes que você já viu". O ponto dessa vez se dá no fato de que agora não é a mãe ressentida de alguém morto há uma pá de tempo que sai matando todo mundo no acampamento de verão, porque ela vai presa antes de cometer um homicídio.

Contudo, o que mais chama a atenção dessa vez é a corajosa sugestão da violência, que remete imediatamente ao clássico 'O Massacre da Serra Elétrica', onde o áudio e os gritos mostram mais do que a fotografia. Isso permite ao filme retratar o assassinato de crianças indefesas sem soar pejorativo ou visualmente ofensivo, tirando-lhe o espectro da covardia e deixando esse rótulo apenas para a bruxa sedenta pelo derramamento de sangue e ao seu temível carrasco. Vale destacar o excelente trabalho de Marco Beltrami, compositor com uma ampla experiência no gênero do terror (além de amigo próximo do finado Wes Craven) que aqui entrega uma mistura notável de referências a clássicos em acordes inspirados e objetivos, tão cortantes quanto a lâmina do machado do assassino possuído da vez.

Embora existam inegáveis inspirações na franquia "estrelada" por Jason Voorhees, o assassino de Camp Nightwing possui uma presença própria e uma postura de crueldade visceral. O filme é uma obra consciente de suas raízes e não se envergonha delas, pelo contrário; ele as usa para fazer crescer seus próprios ramos e fazer o seu nome no hall dos horrores contemporâneos. Fica agora a expectativa para saber se a diretora Janiak continuará a reverenciar a cena de Jack acertando a porta em 'O Iluminado' como fez tanto neste filme quanto em '1994', e se o encerramento manterá o nível de qualidade que se consolidou até aqui.

O que será que vem por aí? Algo como o clássico do Supercine 'As Bruxas de Salém' (1996), ou será algo mais psicológico ao estilo de 'A Vila' (2004) de Shyamalan? Talvez um pouco dos dois, mesclado ao sangue pontualmente derramado de 'A Bruxa' (2015), quem sabe… Enfim, guardemos as especulações e aguardemos a terceira parte dessa trilogia que tem surpreendido pela ousadia e pela tentativa de ser um ponto fora de curva de tendências da última década.

Super Vale Ver!