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'007 - Sem Tempo pra Morrer' disseca Bond em uma jornada introspectiva e autoindulgente | 2021

NOTA 9.0

"A verdadeira função do homem é viver, não existir" - Jack London

Por Vinícius Martins @cinemarcante 

O tempo é uma coisa curiosa. Dentro de nosso prazo limitado vive-se muitas vidas dentro de uma só, e de igual maneira também se morre inúmeras vezes enquanto se vive - coisa tal que entendemos como amadurecimento, algo que vem com o passar dos anos. Com isso expresso em feições carregadas e até mesmo um pouco sofridas, James Bond, o famoso agente britânico que já evitou colapsos mundiais sabe-se lá quantas vezes, retorna agora aos cinemas em sua versão mais madura, mais consciente e mais mundana também. A dor aqui infligida a Bond é um reflexo de seu caráter altruísta, recorrente das várias baixas que sofreu enterrando amigos ou sendo traído, e o semblante exaurido dele nada mais é do que uma longa cicatriz que carrega em seu interior. Contudo, a dor é um memorando de que ainda se está vivo, e 007 é tirado de sua morte forjada para acertar as contas com o passado de uma vez por todas.


O último filme de Daniel Craig na pele de 007 é uma epifania autoconsciente da humanidade de Bond, retratando suas fragilidades com um toque sensível do vislumbre da própria finitude de seu arco, mas focando na nova missão a ser cumprida antes que o mundo acabe - afinal, alguém que já foi dado como morto tantas vezes (e em algumas delas aproveitou para tirar férias ou se aposentar) certamente está acostumado a ressurgir quando necessário; daí o intuito do título, que dá a Bond uma nova razão para viver, matar e, se necessário, morrer de novo também. Bond aqui está cansado do mundo, calejado por tantas vezes ter varrido a sujeira e necessitar voltar a limpá-la, mesmo depois dos excessivos sofrimentos e perdas que o ofício lhe causou. Em seu último ato, o 007 de Daniel Craig mostra que o mundo não merece James Bond, mas precisa dele para continuar funcionando. É um jogo ingrato, que exige a nobreza de saber quando avançar e quando parar - afinal, a licença para matar é também uma licença para não matar, ato esse que às vezes é bem mais difícil do que parece.

Com uma trama redonda na contemplação ao próprio legado, o 25° filme da franquia se dedica, em seus momentos finais, a levantar um diálogo sobre o norte moralista que guia a conduta de Bond, e coloca Safin, o vilão interpretado por Rami Malek, em um embate ideológico frente ao senso do que é correto enquanto questiona os meios utilizados para se alcançar fins necessários. A misantropia do vilão não é justificada de modo compenetrado, mas isso não chega a ser essencial para ponderar a obra como um todo; alguns desenvolvimentos rasos acabam sendo inevitáveis em uma franquia cujos vilões vivem uma constante masturbação ideológica, onde indivíduos com o ego inflado acariciam a si mesmos enquanto mostram orgulho por seus planos de redenção pelo sacrifício neste mundo que lhes foi tão hostil e cruel. Contudo, apesar de superficial e até por vezes caricato, Safin mostra a Bond que ambos querem essencialmente o mesmo, fazendo uso das mesmas ferramentas e vislumbrando a mesma nobreza em si mesmos, mas Bond logo enfatiza a diferença que existe entre os mocinhos e os vilões: a tal "licença para não matar", o pudor de saber quando agir e a empatia com aqueles que não tem como se defenderem, que são reféns em guerras que nem sequer desconfiam que existam.

Nesses dezoito longos meses que separam a data original da estreia Internacional do Bond 25 da data em que realmente chegou aos cinemas, o mundo mudou drasticamente; no entanto, por incrível que pareça, o novo filme do agente 007 conseguiu ganhar ainda mais relevância hoje, de maneira íntima e direta, quando finalmente alcançou as telonas para honrar as criações de Ian Fleming, apresentando o combate de Bond a uma arma biológica letal onde um simples aperto de mão pode significar a morte de alguém querido. O mundo precisa de mais abraços, mais amor, mais empatia, e Bond é um agente de ensino muito poderoso na dissertação desses ideais. Embora seja um assassino treinado para ser sua própria arma, 007 aprendeu a olhar para dentro de si mesmo para encontrar a paz que tanto almeja para o mundo. O passado pode até voltar, mas o futuro chega a cada novo segundo. E a vida, meus queridos, não para.

Continuando a citação de Jack London, para concluir, segue-se: "Eu não gastarei meus dias tentando prolongá-los. Eu usarei meu tempo". 



Super Vale Ver!






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