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Os horrores da conveniência em 'Halloween Kills : O Terror Continua' | 2021

NOTA 6.0

No meio do caminho havia um Halloween Kills.
Havia um Halloween Kills no meio do caminho.

Por Vinícius Martins @cinemarcante 

Lembro de ter visto em algum lugar (provavelmente em algum dos tantos vídeos de Slavoj Žižek) um comentário acerca da importância da naturalidade em uma trama. Não me recordo de nomes e nem tampouco de detalhes numerais, e por isso vou relatar algo que se aproxima da informação que chegou a mim. O caso é que um autor renomado (de livros ou roteiros, também não me lembro) escreveu um ensaio com menos de 90 páginas - vamos considerar 87 - e os editores ficaram maravilhados com o que leram. Gostaram tanto que insistiram por mais 50 páginas até esse autor ceder. Após a publicação, um autor amigo respondeu a esse autor renomado que tinha adorado a obra que leu, mas só até a página 87, pois, segundo ele, era até ali que os personagens aparentavam ter vida própria. Caso você conheça essa história e saiba os dados dela, por favor comente e compartilhe esse conhecimento. Hoje abro o comentário sobre 'Halloween Kills: O Terror Continua' com essa observação sobre os autores e a natureza de suas obras porque, como um todo, o filme da vez se assemelha muito com o que vem após a octagésima sétima página.


A intenção original, segundo o roteirista Danny McBride e o diretor e também roteirista David Gordon Green, era montar uma trilogia de 'Halloween' considerando apenas o clássico de 1978 - que foi o primeiro filme da franquia - e ignorando todas as sequências questionáveis que bagunçaram o mito de horror criado por John Carpenter. Nesse plano o filme de 2018 seria o segundo da trilogia, e um terceiro capítulo colocaria ponto final na trágica história envolvendo Myers e seu alvo fetichista Laurie Strode, vivida nas duas versões por Jamie Lee Curtis. Porém, com a excelente recepção da crítica e o sucesso na bilheteria, o estúdio logo tratou de confirmar não uma sequência, mas sim duas, e o arco dessa nova visão de Halloween passou a ser uma quadrilogia (ou ainda uma trilogia, se considerados apenas os filmes novos). A grande questão é: havia história para um filme a mais? A resposta, conforme se vê em tela, infelizmente é não.

Para o público que assistiu apenas as versões de 1978 e 2018 o filme chega até a funcionar como novidade; já para o público que acompanhou Halloween em todas as suas faces (principalmente a do apelo trash que se consolidou após o vilão mascarado ficar gasto) fica nítido que o que Green e McBride fizeram foi compilar os elementos já vistos nos filmes agora não-canônicos e misturá-los em um liquidificador, servindo as vísceras da franquia em uma taça recém fabricada para fingir inovação. Falta originalidade e audácia a 'Halloween Kills' porque é explícito que esse filme foi feito sob a perspectiva executiva, visando o lucro ao notar a possível montanha de dinheiro que a velha Laurie e o temível Myers ainda conseguiam produzir - e é claro que os executivos iriam querer sugar a fonte ao máximo. Com isso, fica a impressão de que o novo filme está na tela para encher linguiça e é fruto não das mentes criativas que propuseram seu retorno, mas sim do capitalismo selvagem que rege o mercado cinematográfico. É como se ele fosse as cinquenta páginas adicionais após a página 87, e não fosse parte do planejamento inicial. Embora até procure ter alguma naturalidade na ordem de seus acontecimentos, falta o elemento orgânico da narrativa para evocar a empatia (ou no mínimo a relevância), que seria extremamente necessário para conectar este filme com os demais.

Resgatando o espírito de 'Halloween', os produtores fazem bom uso do sadismo de sua audiência ao inserir mortes em maior escala e quantidade enquanto um pandemônio se estabelece na cidade de Haddonfield; contudo, ao mesmo tempo que o filme acaricia as expectativas sanguinolentas do público ele também o trata com arrogância ao menosprezar sua inteligência, vomitando alguns absurdos injustificáveis na tela apenas para cumprir a máxima de que "mais é melhor". Michael Myers aos poucos sai do assassino "pé no chão" e passa a assumir um manto sobrenatural, quase que como uma entidade implacável. Algumas mortes são tão absurdamente ridículas que parece até que o filme zomba dos espectadores, dizendo "aceita isso aí porque é o que tem pra hoje". Mas o que incomoda de fato são os atalhos que o roteiro toma em sua própria conveniência. Todo mundo em Haddonfield parece ter uma dificuldade gigante quando se fala em tiro ao alvo. A população deve ser descendente dos Stormtroopers, porque honestamente tem uns tiros ali que não tem como errar. O assassino é frio e desumano, mas o nível de burrice dos coadjuvantes e figurantes contribui muito para a consumação do massacre.

As coisas acontecem com uma pontualidade absoluta; o timing perfeito para as balas acabarem, as pessoas esperando o assassino vir até elas, os indivíduos correndo enquanto o assassino apenas caminha e a distância nunca aumenta de forma considerável, enfim, um festival de atrocidades que exigem muito da ignorância do público para serem críveis. No fim, após fugas e sobrevivências impossíveis, tudo parece conspirar a favor do vilão - não por mérito dele, mas apenas porque os roteiristas decidiram que seria assim. 'Halloween Kills' é o intermediário entre o ótimo filme de 2018 e a promissora conclusão que virá em 2022, com 'Halloween Ends'. Uma pena que para que ambos formem uma unidade seja necessário um peso quase morto em seu miolo. Fica pelo menos o exemplo de perseverança e superação de Michael Myers, que mesmo após ser alvejado por sabe-se lá quantos tiros e tomar algumas facadas, ainda encontra forças para permanecer de pé e perseguir seus objetivos. Michael Myers: um coach nato.


Vale Ver Mas Nem Tanto!



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