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'Lamb' : O fantástico, o bizarro e a arte do incômodo | 2021

NOTA 8.5

Por Rafa Ferraz @issonãoéumacrítica 

A arte tem muitas faces e formas de se manifestar. Desperta diferentes sensações e sentimentos, e muito embora o conforto e o bem-estar sejam as mais comuns associadas ao audiovisual, o cinema possui grandes obras cujo objetivo é exatamente o oposto. Grandes cineastas autorais como Lars Von Trier e Michael Haneke se tornaram referência no cinema do incômodo ao nos apresentar histórias de forte impacto literal e simbólico, muitas vezes nos fazendo despertar sentimentos aflitivos e inquietantes. Assim é 'Lamb', que apesar de o choque visual não ser comparado aos trabalhos dos autores citados uma vez que aposta na subjetividade, sua temática uma vez absorvida tem grande potencial perturbador e subversivo.

Após encontrar em sua fazenda uma misteriosa criatura meio-humana e meio-cordeiro, o casal, Maria e Pétur, interpretados por Noomi Rapace e Hilmir Snær Guðnason, decidem criá-la como sua. Porém, aquilo que se mostrou uma benção se torna um horrível pesadelo quando a origem daquele ser assombra o local.

Dirigido pelo estreante em longas-metragem Valdimar Jóhannsson, 'Lamb' tem como principal argumento e mérito, o silêncio. Além dos escassos diálogos, a trilha sonora é usada de forma pontual e discreta, recurso esse que associado ao excepcional senso de escala impresso pela fotografia, dão ao filme a atmosfera de isolamento e tensão necessárias. Alternando entre planos abertos e fechados, o enredo se desenrola com profundo realismo ao demonstrar com detalhes a rotina do lugar, na maior parte do tempo de forma bastante crua, o que pode incomodar pessoas mais sensíveis já que implica em manejo e tratamento de animais, mas apesar de chocante, as cenas são breves e nada apelativas, afinal, o banal e o cotidiano fazem parte da progressão narrativa. Ao subverter o realismo pré-estabelecido com a introdução do elemento fantástico, a trama surpreendentemente não tem uma mudança de tom, fazendo assim com que sua naturalidade se contraste com nossa estranheza.

Trabalhando com pouca variação de ritmo, o filme desenvolve a tensão nos detalhes, sejam eles nos olhares, expressões faciais ou o uso de câmera subjetiva, técnica aqui muito utilizada para maximizar o mistério, potencializando a ameaça ao dar a ele apenas sugestão de sua imagem, mas a clara noção de sua força e motivação destrutiva.

A arte do incômodo só é fértil onde as terras são cultivadas com muita liberdade criativa. Se trata de uma linguagem que exige abertura, envolvimento, e uma boa dose de sensibilidade, tornando a jornada muito menos uma atividade exigente do ponto de vista cognitivo, mas um convite a entrega. 'Lamb' bebe da água deste solo e nos convida a uma experiência que na pior das hipóteses, será a excentricidade mais original deste ano.


Vale Ver!




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