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'Belfast' - O cinema que eterniza histórias | 2021

NOTA 8.0

Por Maurício Stertz  @outrocinéfilo 

É inegável que algumas obras sejam representações orgânicas de seus idealizadores, quando os traços reais são traduzidos no que é fílmico, como uma experiência, uma emoção ou um fragmento histórico que conquista seu espaço em tela.

Se considerada a intenção de realizar uma 'autobiografia', ainda mais, é claro. E fazê-lo é, enfim, eternizar o tempo. Na fotografia, por exemplo, o princípio se sustenta quando o clique é responsável por prender o momento a seu tempo, mas é apenas no cinema que existe a facilidade de mostrar também o que está além do quadro e assim eternizar histórias.

Aqui, Kenneth Branagh, o diretor responsável por Franskenstein de Mary Shelley (1994) e inúmeras adaptações de obras Shakespearianas, como 'Hamlet' (1996), 'Henrique V' (1989), faz de 'Belfast' seu exemplo, um retrato intimista embebido pelo sentimentalismo que o passado lhe traz, como uma carta para si ou mesmo uma coletânea de momentos que assiste seu Eu infantil e ingênuo em formação.

O mais interessante é que ao pintar seu quadro o diretor satura a inexistência de cores, como as telas dos televisores que ainda guardavam os pretos e brancos. Aqui a preocupação com a linguagem cinematográfica começa a dar seus primeiros passos, pois este aspecto estilístico remete prontamente a um passado irreal que depende da subjetividade do olhar de uma criança, o pequeno Buddy.

O garoto leva sua vida normalmente. Vive com seus pais, a quem chama de maneira monossilábica, Pa (Jamie Dornan) e Ma (Caitriona Balfe), recebe conselhos amorosos de seu avô (Ciarán Hinds) e abre seu coração imaturo para se aproximar de sua musa na escola. Ingênuo, pouco entende a movimentação e os perigos políticos de um ato separatista que resulta no embate religioso entre Católicos e Protestantes.

O ponto de vista do garoto serve, portanto, de guia para a composição que o espectador irá encontrar.  Aliás, o plano de fundo opaco traz consigo uma locação simplista que carece de detalhes, talvez apagados pelo passar dos anos em uma memória afetiva que decide não especificar o que é menos importante. O céu não abriga nuvens, as sacadas não abrigam pessoas.

Aliado a isso, a câmera cede espaços e acompanha de longe a movimentação constante (a contar a percepção infantil) na capital da Irlanda do Norte, e, por isso, recebe seu ar teatral. O corte é custoso, a presença dos personagens somente enche a tela quando merece esta importância e são inseridas, pouco a pouco, as técnicas que a dramaturgia inspirada no Bardo prevê.  

Essa falta de contraste da memória personificada em Buddy é substituída, momentaneamente, quando o garoto encontra seu conforto: a tela de cinema. São as brechas para que as cores contaminem sua paleta, em uma memória sensorial que se colore pela paixão a algo que o formou e lhe serviu de profissão dali alguns anos. As cores que não encontrava nas ruas castigadas pela política local, encontra agora no cinema, que surge como uma vívida rosa que brota solitária em meio a destruição.

A opção, porém, de entrelaçar momentos pessoais faz de Belfast um filme que “nasce” envolto em uma concha justa e de difícil acesso. Uma pérola bem cuidada que tem seu destaque no conjunto e não permite que, sequer em monólogos curtos ou em uma apresentação musical inesperada do talentoso Jamie Dornan, o brilho de memórias seja roubado. 

'Belfast' é um filme para Branagh ou a quem mais quiser assistí-lo como personagem de sua própria história. 


Vale Ver!



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