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'A Tragédia de Macbeth' ganha contornos expressionistas nas mãos de Joel Coen | 2021

NOTA 8.0

Por Maurício Stertz @outrocinéfilo

Penso que das artes que contribuem à linguagem cinematográfica, o Teatro talvez seja o de maior proximidade, servindo de inspiração ao Cinema, desde que não se caia na contradição de apenas ‘filmá-lo’. Isso porque o cinema traz a possibilidade de expandir o olhar que antes era estático, daqueles que assistiam da ‘quarta parede’, no Teatro. A câmera ganha a liberdade de estar dentro das cenas e a um passo dos planos de fundos que agora estão por todos os lados. 

Por estes motivos, o teatro serve apenas de inspiração, é o ponto de partida e o que surge dele se desprende e se reconhece como obra nova, obra fílmica.  

Pensando isso, a dramaturgia de Shakespeare já foi testada muitas vezes fora dos palcos. 'Henrique V', virou filme na década de 1980. 'Romeu e Julieta' surge em novas roupagens todos os anos e o político 'Macbeth', que já esteve nas telas nas mãos de Roman Polanski e Justin Kurzel,  agora é novamente adaptado, desta vez por Joel Coen.

A história é de Macbeth, um general tomado pela ganância que habita os homens. Ao voltar vitorioso de uma batalha, ouve as previsões de três bruxas que o fazem acreditar que será Rei. A corrupção o toma e Macbeth encara uma jornada de traição. Como consequência, experimenta o que lhe parece ser a loucura que domina sua mente, ou seria apenas o peso da culpa que inunda seus pensamentos?

Joel Coen faz de 'Macbeth' uma obra soturna, um novo olhar para uma história já conhecida. Na estrutura, o diretor busca se manter no minimalismo que o Teatro propõe e por isso a composição aqui é simplificada. A câmera, que se mantém estática na maior parte do tempo, mostra somente o possível que poderíamos ver se estivéssemos em frente ao palco.  Não conseguimos assistir precisamente o que está em volta dos personagens, pois é desimportante por si só, seja no fundo arenoso e nublado da peregrinação de Macbeth que o colocam a receber a previsão que mudaria sua vida ou pelas paredes gélidas e de poucas texturas de seu castelo. O que importa, como no Teatro, é a presença dos atores que se agigantam em tela, que tomam o centro e proferem suas palavras em um inglês erudito e comum à época.

Se de um lado busca a fidelidade ao Bardo, por outro, Coen se desprende mais do Teatro ao arriscar traços do Expressionismo, evidenciando sua inspiração, agora no cinema.

O Expressionismo alemão, em resumo, foi um movimento no cinema que na década de 1920 servia-se de planos de fundo estranhos, imprecisos e irreais, retendo em si uma ideia de representar sonhos e pesadelos, onde as formas buscam outros pontos de fuga e não respeitavam a física mundana, sem a subjetividade de distingui-las entre si, como nos clássicos 'O Gabinete do Dr. Caligari' (1920), de Robert Wiene e em 'Metrópolis' (1927), de Fritz Lang.

É por isso que o diretor se aproveita dos fundos geométricos que os castelos proporcionam e utiliza enquadramentos menos convencionais para que possa distorcer tudo o que envolve Macbeth. O fundo recheado de sombras e suas arestas, são estranhos, imprecisos como a realidade  de que o Rei não podia mais encontrar. O recorte da vida de  Macbeth é íntimo e por isso assiste vulnerável a distorção que o cerca.

Ao fazê-lo, o diretor entrega lindas imagens em enquadramentos que relembram a arte que Éric Rohmer, crítico e um dos responsáveis pela revista Cahiers du Cinema, encontrava em Murnau, guardadas as proporções, ao dizer certa vez e parafraseio aqui, que Murnau, um dos pais do Expressionismo Alemão, tinha uma obra de arte a cada frame. De fato, o Expressionismo parece se desprender até do cinema, desaguando na pintura, talvez, pois seus personagens agem em conjunto com seus planos de fundo imprecisos e belos.

Conforme recebe os sentimentos de um Rei em ascensão e derrocada para carregar consigo, para Denzel Washington entregam a liberdade de ser Macbeth, atuar, encher a tela como se estivesse em um palco e habitar nosso imaginário como um Rei e um tolo, em um trabalho que com certeza lhe renderá uma indicação ao Oscar.

Um filme que se apoia nos pensamentos de Macbeth para deixá-lo sonhar e ter pesadelos em plena luz do dia.


Vale Ver!





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