Adsense Cabeçalho

' Miss França' : Ruben Alves suaviza o discurso sobre gênero e visa o entretenimento | 2022

NOTA 7.0 

Alex tem um sonho

Por Maurício Stertz @outrocinéfilo

Logo  nos primeiros minutos de 'Miss França' somos apresentados a um garotinho que, em frente à classe numa dessas dinâmicas escolares de “quem você quer ser quando crescer?”, diz ter o sonho de um dia se tornar a Miss França. Ecoado pelas risadas de seus colegas, Alex cresce envolta de seu estilo andrógeno e aquele sonho de criança carrega agora a ansiedade da aproximação da concretização que os anos trazem.

O argumento por detrás de 'Miss França' é fortíssimo. Usa da complexidade do gênero para transitar entre os discursos dramáticos e aliviá-los com os risos sinceros que a comédia poderia trazer.

Desejando conquistar a certa ‘feminilidade’ que o concurso vendia como prêmio de consolo à grande ganhadora, o que seria, por fim, o sinal verde externo que precisava para se aceitar, Alex segue consciente e acumula etapas até chegar à grande final, o clímax que todos esperam.

Na direção de Ruben Alves, há um espaço justo e importante permitido ao debate quanto ao gênero, ao entendimento de se reconhecer em si (no corpo em que está) e a violência que se esconde detrás da falta de justiça, na França ou em outro qualquer lugar. A complexidade de tratar destes temas cai por terra quanto mais honesta for sua manifestação, penso eu. Não adianta de nada escancarar todos os revezes diários que Alex sofre a fim de confrontá-los em uníssono, se não transformar jornada em aprendizado.

Mas o longa-metragem dirigido pelo luso-francês decide desaguar pela comédia que beira o descompromisso, por vezes. Mas não me entenda mal, a comédia é um gênero permissivo à essa suavização, se bem aplicada, como em tantos outros exemplos encontrados no Cinema. Embora  a premissa encontre a resistência do conservadorismo à revelia e, talvez, por isso, tenha optado pelo ‘absurdo’, os bonitos discursos de Alex ficam reféns de algumas cenas desconexas que surgem em sequência – a passarela de Alex parece se estreitar.

Poderia citar diversas destas que pouco contribuem para à narrativa, que não uma convenção batida do gênero, como à certa altura, Alex pedir ao seu professor de luta um treinamento à lá Rocky Balboa ou a resolução final, quando todos ‘descobrem' que Alex é de fato um menino durante a coroação do concurso. Percebo o apelo humorado de fazê-lo, mas percebe como isso se desconecta do argumento central? Talvez estivesse cobrando demais de um filme que se propõe a ser entretenimento. É que esperei pelo discurso que saísse da superfície, confesso.

A questão é decidir o que quer, ao final. Pois a tentativa, na contramão, de tornar sério o desenvolvimento do personagem, ao verbalizar a violência sofrida diariamente por pessoas do movimento LGBTQIA+, fazendo de Alex sua porta-voz ou encarar a relação com sua família e principalmente o conflito interno que dá pistas de que irá aparecer, mas não aparece -  a passarela está definitivamente menor para os passos de Alex.

O ponto alto está em Alex, interpretado por Alexandre Wetter, que, inclusive recebeu uma indicação ao César como revelação masculina, e se encarrega dos belos e emocionantes discursos aqui e acolá. A plasticidade estética de uma imagem 'chapada' e desatenta e esta despreocupação com a delicadeza do assunto fazem de 'Miss França' um exemplar de poderio pouco explorado -  Alex, por fim, desfilou por uma passarela estreita e sem o brilho que merecia, mas divertiu no caminho. 


Vale Ver!



Nenhum comentário