'Silverton: Cerco Fechado' : um recorte da resistência política sul-africana | 2022

NOTA 7.5

Por Maurício Stertz @outrocinéfilo 

O Cinema está recheado de histórias baseadas em eventos reais. Um acontecimento importante, catastrófico ou mesmo curioso comumente ganha suas versões em tela. Tudo é combustível para um cineasta criar. Quando assisto filmes assim, costumo pensar a etimologia cinematográfica e em como é curiosa a maneira que a vida real invade a realidade fílmica e atua sobre o espectador. É preciso confrontá-la ao seu tempo e espaço, a fim de entender as intenções de seus realizadores.

Em Silverton, Pretória. Calvin, Terra e Aldo se refugiam num banco para escapar dos policiais que os perseguiam numa ação frenética que toma 'Silverton: Cerco Fechado' desde os primeiros minutos. É assim que somos apresentados a eles, esguios e assustados dentro dos carros e temendo o desfecho que pode acontecer dali para frente. A história é baseada em eventos reais que ocorreram em 1980, conforme aponta o letreiro inicial.

É dentro do banco que descobrimos as reais motivações do grupo. Tratava-se de um ato político. E se confrontar esta história ao seu tempo e o espaço, como alertei fazer, cria-se o plano de fundo incômodo e cheio de simbolismos sombrios de uma África do Sul tomada pelo Apartheid.  É por isso que o diretor Mandlakayise Walter Dube desenvolve situações e exige que o espectador escolha seu lado, desde o começo, para o bom funcionamento da narrativa, desde comentar sobre o direito de mulheres pretas de fumar em público ou o americano, que antes mesmo de ser refém, foi repreendido por estar na “fila errada” dentro do banco. São pequenas incisões logo nos primeiros minutos que dão pistas do caminho que a trama irá seguir.

Assim que Calvin e sua equipe começam o recrutamento de reféns, já “compramos” sua luta, mesmo que estejam empunhando armas. A conexão com os personagens e seus dramas é rapidamente estabelecida. Talvez por serem um elo mais fraco, pois vemos no rosto de Calvin, quando permite, o pavor de um sobrevivente, e a nossa psique nos faz vibrar por Reis Davi contra Golias ou por três jovens revolucionários contra um sistema desumano do país inteiro.

Conforme avança para o segundo ato, o assalto de faz-de-conta se transforma em uma clássica narrativa do gênero. Enquanto queimam quantias de dinheiro à la Robin Hood em busca de visibilidade midiática, recebemos mais traços de humanidade conforme as paredes de granito parecem enclausurar quem está ali. Em frente aos reféns ou quando arrisca sair da porta para negociar, os diálogos inflamados de Calvin, numa atuação consistente e emocionante de Thabo Rametsi, são o combustível que faz a locomotiva acelerar em frente. Inflama seu público, inflama igualmente o espectador que quer ver o final desta história.

Inclusive, por se acomodar nesta estrutura clássica, o diretor opta muitas vezes por convenções (os famigerados “clichês”) para preencher o espaço e resolver os diálogos que um roteirista só poderia imaginar terem acontecido. Além das idas e vindas pelos corredores do banco, o tratamento com os reféns à base de pizzas e as negociações entre Calvin e Langerman, quando ambos não aceitam ceder, caem na contradição de soar como “mais um” filme de assalto à banco. Este miolo narrativo, porém, serve como um plano de fundo quase imperceptível e desimportante para que o argumento central sobressaia. O ato pela resistência e pela soltura do ativista, que viraria presidente do país, Nelson Mandela. Este momento eleva exponencialmente a força do filme e da história fora dele. Estaríamos presenciando um recorte importantíssimo da história do país.

Aliás, o filme carrega consigo durante toda sua duração o emocional sincero na intenção daqueles que estão por trás da produção e resulta no contraste de sentimentos que vão desde a tristeza da realidade extra fílmica de uma humanidade falha, a empolgação de ver Calvin gritando com os punhos cerrados em frente a mídia que se acotovela pelo melhor ângulo e a impotência ao ver que a luta e a resistência são as últimas instâncias para algumas pessoas. Um filme duro e necessário, eternizado pelo Cinema, para que histórias assim nunca mais se repitam.

Vale Ver!