'A Teoria dos Vidros Quebrados': o rascunho de uma caricatura de nosso senso de justiça frente à impunidade | 2022
NOTA 6.0
Por Alan Ferreira @depoisdaquelefilme
Quem tem carro sabe como é uma verdadeira via-crúcis, em caso de acidente, fazer com que a companhia de seguros cumpra com suas obrigações. Isso se dá, geralmente, devido à falta de confiança de parte a parte. O dilema formado pela busca do cumprimento dos direitos adquiridos mediante contrato e a justificável (até certo ponto) desconfiança das empresas, que esmiuçam o caso a fim de encontrar alguma irregularidade ou golpe, é um verdadeiro inferno burocrático que beira o bizarro. Em “A Teoria dos Vidros Quebrados”, Claudio Tapia (Martín Slipak) é o funcionário dedicado de uma dessas agências que, como fruto dos bons serviços prestados, recebe a incumbência de gerenciar uma filial localizada na fronteira entre Brasil e Uruguai, onde precisará investigar o misterioso caso de uma série de veículos incendiados.
Partindo de uma teoria real – desenhada(!) para o espectador a certa altura – e de eventos ocorridos nos limites entre os já referidos países do cone sul, o longa dirigido por Diego “Parker” Fernández, vencedor dos prêmios de Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Filme pelo júri popular do Festival de Gramado, trabalha misturando os elementos do gênero policial e da comédia de tipos. Enquanto Tapia peregrina tal qual um detetive pela pequena cidade em busca de pistas, e sofrendo pressão por todos os lados, vamos sendo apresentados aos peculiares habitantes do lugar que, óbvio, vão entrando gradativamente para o rol de suspeitos.
E “peculiaridade”, talvez, seja mesmo a palavra que define o humor almejado pelo projeto. A começar pela própria figura do protagonista, que parece emular forçosamente um arremedo de Ben Stiller, do cabelo às expressões faciais, vestido sempre com o mesmo terno até quando precisa pular da cama no meio da madrugada para tomar conhecimento de um novo incêndio. Somam-se a ele o político platinado, o delegado incompetente, a femme fatale do interior, o colega invejoso e mítico antecessor, uma espécie de entidade representada ao “melhor estilo” Sherlock Holmes, formando uma fauna exótica que poderia facilmente compor o elenco de qualquer obra assinada por Guel Arraes ou Halder Gomes do lado de cá da fronteira. Mas se há algum interesse em tais personagens telegrafados muito se deve ao fato de serem interpretados por bons atores, alguns já conhecidos do público brasileiro como Roberto Birindelli ("Nos Tempos do Imperador") e o uruguaio César Troncoso ("Flor do Caribe").
Embora exagere demais no caráter expositivo – canções narram o que o protagonista faz e pensa – e invista sem êxito no surrealismo em certos momentos, decisões que ferem nosso engajamento na investigação em si, é inegável que “A Teoria dos Vidros Quebrados” funcione razoavelmente como uma comédia de costumes que satiriza a nossa propensão ao erro, sobretudo quando a “janela” já foi quebrada. Se a resolução do caso para nós passa longe de ser uma surpresa – e não parece haver preocupação em relação a isso – ver toda a comunidade exigindo um culpado, mas com cada indivíduo ocultando seus próprios desvios de conduta, mostra uma ironia, diluída por vezes num rascunho de caricatura, que revela algo sobre o nosso frágil senso de justiça frente à impunidade.
Vale Ver Mas Nem Tanto!
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