'Concorrência Oficial' : Penélope Cruz, Antônio Banderas e Óscar Martinez numa comédia que vai além do filme | 2022
NOTA 8.0
Por Maurício Stertz @outrocinéfilo
Quando um filme realmente termina? Quando paramos de pensar nele por um segundo ou ele sempre estará vivo para ser ressignificado? Esta frase dita, num close-up dos olhos estáticos e amadeirados de Penélope Cruz, me fez pensar sobre o Cinema enquanto descoberta. Porque descobrir o Cinema por detrás de suas cortinas vermelhas é sempre satisfatório. O filme é uma concha que detém um mundo que pertencia a outras pessoas e aglutina tudo que passou pela produção até ali. É quase como perceber uma mágica demonstrada pelas mãos habilidosas de um diretor, tudo que está entre o letreiro inicial e os créditos que rolam abaixo enquanto a tela escurece.
Enquanto isso, desse outro lado da tela, o espectador é tomado por esse desejo infantil de descobrir, de espiar pela fresta da cortina, assim como se anima em desmontar um brinquedo que para entender como ele funciona, desde a carcaça dura e áspera até as menores que são engrenagens possíveis encontradas, tão importantes quanto.
A narrativa de 'Concorrência Oficial' traz a história de um bilionário no fim da vida que, tomado pelo existencialismo, teme não ter deixado nenhum legado que fosse valer sua lembrança. Decide então contratar Lola Cuévas, interpretada por Penélope Cruz, uma diretora excêntrica capaz de fazer um filme sobre sua vida. Como o dinheiro é o menor dos seus problemas, Lola ganha carta branca para juntar dois atores excepcionais que nunca trabalharam juntos. Félix, interpretado por Antônio Banderas, um ator da nova geração ligado aos holofotes e às redes sociais e Iván, interpretado por Óscar Martinez, um ator de outros tempos e outros métodos, que vive sua vida reclusa pelos palcos de teatro como professor.
Assim que se iniciam os ensaios, Lola, com seu jeito único, pretende tirar os atores de suas zonas de conforto para que se desprendam de quem eram e possam de fato viver a história de dois irmãos com seus problemas afetivos.
O mais curioso é como a direção de Mariano e Gastón, que também assina o roteiro, desenvolva seu humor ágil enquanto pinta os planos em composições de enriquecer os olhos, utilizando as cores (e as locações cheias de possibilidades), aqui e ali, com a aptidão de transparecer suas intenções.
Mas aos poucos a metalinguagem encontra seu chão no processo que é “Atuar”. É cômico a forma como Lola exige o desprendimento corporal de seus atores contratados para que possam ser Iván e Félix, de verdade, em seus trejeitos e motivações. Um método Stanislavski em sua essência: viver o personagem, custe o que custar. As situações no set descambam ao ridículo. Numa briga de irmãos, por exemplo, Félix precisa aumentar o embargo de sua voz pela embriaguez que a cena exigia. A diretor pede: “numa escala de 0 a 10, quero a embriaguez nível 3...agora 5... agora 6.5!”. Enquanto os números crescem, o álcool parece invadir o sangue, amortecer a língua e contaminar as palavras ditas por Antônio Banderas. Noutro momento, Iván precisa chorar de verdade, apesar de não entender essa direção, afinal, trata-se apenas de um ensaio.
Estes são os trabalhos de Félix e Iván no filme, mas também uma comprovação cínica de que Antônio Banderas e Óscar Martinez são atores fenomenais e precisam se provar a todo momento, fora dele. São desafios que extrapolam o filme e a eficácia da metalinguagem atinge seu objetivo máximo, quando o que é fílmico passa a agir, de fato, fora dele. Será que a construção de um personagem é complexa assim? Será que Oscar Martinez alguma vez teve que realmente chorar num ensaio? E Antônio Banderas? Perguntas como estas surgem à mente a todo momento – culpa da metalinguagem.
Entretanto, 'Concorrência Oficial' vai além de uma jornada de aprendizado, ao unir duas pessoas tão diferentes e fazê-los amadurecer (aprender). É uma experiência cômica, que desnuda a mediocridade da vida desses personagens, faz das falhas humanas dos atores seu alvo e revela as nuances, entre a arte e a pretensão, em seu sentido mais puro.
Enquanto isso, o gostinho é pelo filme (o filmado dentro do filme) que nunca chega, um clímax carregado pela montagem habilidosa que se traduz num ponto de virada já característico e bem-humorado de Cohn e Duprat. Um filme que fala sobre a arte, sobre seus significados e sobre o processo de descobri-los aos poucos, mesmo que seja preciso espiar entre as cortinas com a permissão concedida pelos diretores.
Vale Ver!
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