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'Pluft, O Fantasminha' é uma bela evidência do potencial do cinema brasileiro l 2022

NOTA 8.0

Se o seu pai fosse vivo…

Por Vinícius Martins @cinemarcante

Algumas obras se tornam marcos para suas gerações. Antes da explosão da Internet e das facilidades que empreguiçam as crianças atualmente (colocando tudo a um clique de distância e extinguindo a apreciação de estar em eventos reais), o teatro vivia tempos de prestígio imensurável com grandes obras e artistas que se consagravam como ícones inspiradores de sonhos e lições - inspirações essas que perduram até a atualidade. Quem cresceu entre os anos 50 e 90 e teve acesso aos meios culturais urbanos certamente deve ter ao menos ouvido falar de uma peça chamada 'Pluft: O Fantasminha', de Maria Clara Machado, escrita em 1955 e encenada nos teatros inúmeras vezes com centenas de intérpretes diferentes a partir de então. A história do fantasma que tinha medo de gente se espalhou entre as crianças como uma epidemia de catapora e logo se tornou uma referência no teatro infantil - estando em cartaz, inclusive, até hoje em dia. 

Uma adaptação aos cinemas era apenas questão de tempo; Pluft e Maribel se tornaram precursores de gerações de outros artistas que, graças ao improvável relacionamento de amizade entre o fantasminha e uma menina, decidiram se envolver com a dramaturgia e hoje brilham em diversos meios culturais. Chegando às telonas com um pouco de atraso devido ao período de crise sanitária que nos acometeu nos últimos dois anos, 'Pluft: O Fantasminha' finalmente entra no circuito comercial com um diferencial e tanto para competir com blockbusters internacionais: o raro uso da tecnologia 3D para filmes nacionais.

As poucas produções que me lembro de terem chegado aos cinemas com esse formato são 'Palavra Cantada' e 'Brasil Animado', ambos de 2011, e 'Se Puder… Dirija', de 2013 - destes eu tinha visto apenas 'Palavra Cantada' no cinema, e a experiência foi mágica tanto pelo fator nostalgia quanto pelo belo uso da tecnologia 3D como ferramenta narrativa. Pluft agora chega aos cinemas com seu filme, nove anos depois da última tentativa do mercado nacional de emplacar filmes 3D feitos por aqui, para mostrar que existe sim como fazer filmes com a tecnologia em três dimensões visando qualidade e utilidade para a trama. A profundidade e o destaque são muito pontuais e bem empregados de acordo com a demanda das cenas, e ouso dizer que o uso do 3D aqui rende momentos melhores do que alguns filmes que permanecem em cartaz com o 3D nitidamente comercial.

Os efeitos visuais apresentados aqui são ótimos e funcionam de forma integrada ao "plano físico" da trama. Poucos filmes nacionais conseguiram fazer tão bom uso de efeitos quanto este. Me recordo de '2 Coelhos' (2012) e 'Malazartes e o Duelo com a Morte' (2017), filmes cujas tramas dependem essencialmente do bom desenvolvimento do departamento de efeitos especiais. Todavia, em alguns takes é notável a sobreposição dos fantasmas na cena, e os belos efeitos de cabelos lentamente esvoaçantes por vezes se evidenciam filmados em tanques subaquáticos, devido às expressões nos rostos de Pluft e sua mãe e a pequenas bolhas de ar que se prenderam em seus cílios após serem expelidas durante a filmagem das falas. Apesar disso, é notável o avanço na qualidade dos efeitos e nas soluções encontradas para que os fantasmas tivessem destaques e silhuetas diferentes do convencional estático do teatro.

Assumo que assistindo ao trailer e a uma matéria especial na TV aberta, tive dúvidas quanto às capacidades do elenco infantil. Hoje tenho prazer em afirmar e confirmar o talento dos intérpretes de Pluft e Maribel, que são, respectivamente, Nicolas Cruz e Lola Belli. Ambos dão um show em suas interpretações e a química entre eles em cena é cativante e expressiva, de modo a tornar crível que duas crianças assustadas viessem a se tornar amigas justamente por suas diferenças e pela curiosidade típica da fase. Ademais, devo destacar as atuações dos sempre excelentes Fabiula Nascimento e Juliano Cazarré (Dona Fantasma e Pirata Perna-De-Pau), que entenderam o caráter caricato da história e trouxeram para a tela uma teatralidade absurda e cheia de trejeitos, de modo que em alguns momentos cheguei a me esquecer que não estava assistindo a uma peça e sim a um filme. Confesso ter me sentido em um teatro, e isso me alegrou em diversas passagens - coisa que até então apenas o brilhante 'Tempos de Paz' (2009) tinha conseguido me fazer.

Sem querer forçar trocadilhos, Pluft é a prova viva da qualidade e do potencial que o cinema brasileiro possui. É um filme infantil riquíssimo e cheio de mensagens adoráveis, desde a dupla protagonista até o trio de abobalhados João, Julião e Sebastião (Lucas Salles, Hugo Germano e Arthur Aguiar). Talvez o senso adulto, já acostumado com filmes robustos do saturado mercado de super-heróis, não veja tais atributos no filme; mas devo atestar aqui que na sessão em que fui, uma semana após a estreia, as várias crianças presentes sorriram, gritaram, suspiraram aliviadas e interagiram bastante durante a exibição. Um dos responsáveis de mais idade, cujo comentário acidentalmente ouvi após a sessão, disse estar encantado com a memória que o filme lhe trouxe. Isso, meus queridos, é um exemplar do tamanho do poder que o cinema tem de atingir as pessoas.

Vivemos em um celeiro cultural riquíssimo. Temos música, literatura, dança, teatro, cinema, televisão, e mais tantas outras vertentes de rua e de palco que agora até me fogem à cabeça. Vamos valorizar o cinema e a cultura do nosso país, pois quanto maior for a cartela de lançamentos que promovermos maior será a variedade de conteúdo e, consequentemente, a qualidade também será maior.

Para fechar, recomendo a peça de 2013 que se encontra disponível no YouTube, que conta com Maria Clara Gueiros e Cláudia Abreu no elenco. A peça foi disponibilizada no período da pandemia para fins de entretenimento, e se mostrou ser uma obra de enorme valor e qualidade.


Vale Ver!






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