'Vira Mar': um híbrido que traz diferentes perspectivas sobre a relação do homem com a água | 2022
NOTA 5.5
Por Alan Ferreira @depoisdaquelefilme
Certa feita, o grande escritor e professor Flávio Carneiro disse, entre tantas frases marcantes, uma que me veio à lembrança enquanto “Virar Mar” desaguava diante de mim: “Uma obra de arte não precisa passar uma mensagem. Ela precisa ser um desafio estético.”. Óbvio que tal pensamento não significa que a atribuição de valor de qualquer obra esteja atrelada à presença ou não de algum questionamento social ou ensinamento. Flávio referia-se ao fato dela não ter essa responsabilidade, mesmo que chovam exemplos bem-sucedidos da convergência entre inovação artística e denúncia. Mais um híbrido de ficção e documentário a aportar nos cinemas brasileiros, “Virar Mar” almeja incessantemente essa conciliação.
Coprodução entre Brasil e Alemanha, o longa dirigido por Philipp Hartmann e Danilo Carvalho quer, através da intercalação de imagens que ficam no limiar entre a encenação e a captura do real, criar um caldo poético que traga à tona reflexos das mudanças climáticas que colocam duas regiões, separadas por um oceano de contradições, num curioso mosaico envolvendo diferentes formas de se relacionar com a água. No Sertão Brasileiro, a já conhecida escassez de recursos hídricos segue sendo um dos calvários vividos por quem lá habita. Já nos pântanos de Dithmarschen, no norte alemão, temos uma área prestes a ser alagada intencionalmente, algo que obviamente afeta de forma direta a vida dos moradores do lugar.
Nada contra narrativas que exigem do espectador um desprendimento factual (ou até mesmo científico) para extrair dele uma visão mais existencialista acerca de um tema. A questão é que “Virar Mar” inunda nossa percepção com metáforas aleatórias que vão da mitologia grega (Caronte no início) à judaico-cristã (com direito a um Jesus que não consegue andar sobre as águas) e vai acumulando em sua margem uma série de figuras que aparecem, desaparecem e ressurgem sem qualquer critério aparente, como as três amigas que andam quilômetros de moto para tomar banho num dos poucos rios que restaram na região onde moram. Elas surgem, trocam algumas frases, olham para a câmera e somem sem dizer adeus, dando lugar a um novo “personagem” com o qual não teremos tempo de desenvolver qualquer tipo de sentimento.
Sem saber delinear suas ambições experimentais ao problema ambiental sobre o qual lançam luz, os diretores não conseguem estimular o nosso engajamento em nenhuma dessas frentes. Fica a impressão de que eles supervalorizaram demais a ideia que tiveram, vertida de um estudo acadêmico realizado por Hartmann, que pouco se preocuparam com um bom desenvolvimento da mesma. Com cenas que dizem muito pouco, como a de alguém assoviando um hit da banda alemã Scorpion ou imagens de uma bandeira brasileira presa a uma janela – marcadores territoriais nada criativos, é bom que se diga -, “Virar Mar” falha ao tentar relacionar as realidades opostas que apresenta justamente por não nos permitir acessar, muito por conta de sua necessidade de soar poético, os seres humanos afetados pelo problema que aponta. Gotas de boas intenções num mar de pretensões.
Nem Vale Ver!
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