“Boa Sorte, Leo Grande” é um hino de libertação feminina | 2022
NOTA 9.0
Por Karina Massud @cinemassud
O movimento feminista teve seu boom nas décadas de 60 e 70, com as mulheres pleiteando o direito de trabalhar sem precisar do consentimento do marido e queimando os sutiãs, tidos como símbolo de opressão, em praça pública. A invenção da pílula anticoncepcional em 1960 revolucionou o mundo, pois deu às mulheres a escolha de ter ou não filhos, e uma liberdade sexual nunca antes imaginada - o sexo pleno e o prazer sem culpa estavam ao alcance de todas. Até então a mulher gostar de sexo e sentir prazer era algo vergonhoso, restrito às prostitutas e não à “moças de família”.
Décadas de machismo e repressão levaram muitas mulheres a jamais conhecerem o orgasmo, muito apropriadamente nomeado na língua francesa como “la petite mort” (a pequena morte). Já estamos na segunda década do século 21 e inacreditavelmente ainda existem mulheres que nunca chegaram ao clímax, por culpa, vergonha de se tocar ou de se entregar a alguém. Nancy (Emma Thompson) é uma dessas mulheres, que apesar de ter uma vida boa, nunca teve um orgasmo na vida. Ela é uma viúva e professora recém-aposentada que resolve contratar um garoto de programa, o Leo Grande (Daryl McCormack), pra romper com todos os seus pudores e finalmente descobrir o prazer que nunca teve com o marido.
Ao contrário do que a sinopse possa insinuar, o sexo não é determinante na trama, os diálogos com temas poderosos e em sua maioria espinhosos é que são o foco. O texto da tarimbada humorista e escritora de TV Katy Brand explora com perspicácia tabus como o sexo na maturidade, o orgasmo feminino, autoaceitação, prostituição e imoralidade. O etarismo também está em pauta, a discriminação e desvalorização das pessoas maduras: “Você está bem pra sua idade; “Você não tem mais idade para isso”. Precisamos desconstruir essas bobagens e também normalizar o desejo na maturidade.
A diretora Sophie Hyde dividiu o longa em capítulos enxutos onde cada um deles é um encontro. Nancy abre a porta para Leo pensando que logo de cara vão tirar a roupa e fazer sexo selvagem, mas a história dos dois vai bem além disso. A sedução e o sexo são delicados e lentos, não há pressa muito menos cenas explícitas, um contraponto aos sentimentos totalmente escancarados por Nancy no quarto de hotel que serve de cenário pro filme.
Leo é bem resolvido, gentil e paciente, enquanto Nancy é insegura, ansiosa e tem vergonha de seu corpo. Ele desperta nela o tesão pelo caminho que todas as mulheres amam, pelo bom papo, tato, cheiro e aproximação, pois a libido feminina vai além do ato sexual em si ou do momento do orgasmo. Leo a ensina a enxergar e ouvir seu corpo, seus anseios e acordá-lo pro sexo. São dois mundos opostos tentando se encaixar: uma mulher conservadora e reprimida, cheia de julgamentos e preconceitos impostos pela sociedade e um garoto de programa confortável com sua profissão e sem qualquer pudor. A inexperiência de Nancy e seu nervosismo disfarçado por uma metralhadora giratória de perguntas rendem cenas engraçadas sem cair no ridículo. Eles começam a trama como cliente e profissional, viram amigos, terapeutas recíprocos e enfim amantes, compartilhando suas angústias como nunca imaginaram. Emma Thompson conduz a trama com brilhantismo, num desprendimento que poucas atrizes alcançam; ela se entrega de corpo e alma a essa personagem que vai se libertando das prisões morais e rejuvenescendo seu espírito conforme a narrativa avança. O timing com o talentoso ator Daryl McCormack é preciso, a interação entre eles é linda e nos faz sorrir.
O título do longa é genial, pois no início da trama nos induz a uma interpretação, mas chegando no final é outra completamente diferente. Os personagens mudaram e nós também. “Boa Sorte, Leo Grande” é um filme de utilidade pública pra sociedade. E é uma clara inspiração para todas as mulheres. Mulher de 30, 40, 50, 60...não importa a idade: permita-se, viva plenamente, tenha prazer e seja feliz!
Super Vale Ver!
Deixe seu Comentário: