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'Blonde': cinebio é uma ópera de especulações indecisas | 2022

NOTA 6.0 

Quanto mais curto, melhor 

Por Vinícius Martins @cinemarcante 

O cinema também vive de saudosismo. Tivemos uma chuva torrencial de cinebiografias nos últimos anos, onde figuras como Freddie Mercury, Elton John, Elvis Presley, Judy Garland, Tammy Faye e até mesmo Eike Batista chegaram aos cinemas com suas respectivas histórias de vida. Whitney Houston, inclusive, terá uma lançada em breve. E agora, na entrada do último trimestre de 2022, eis que chega à Netflix uma cinebiografia controversa e descompromissada com os fatos como realmente ocorreram, retratando a figura icônica de Marilyn Monroe de forma "íntima" (em grandes aspas) através da performance brilhante da sempre excelente Ana de Armas. O filme está dividindo opiniões e levando público e crítica aos extremos de "ame ou odeie", e eu, enquanto cinéfilo e também como crítico, lhes digo agora que amei e odiei, simultaneamente - e sim, isso é possível.

O cinema é, entre uma dúzia de outras coisas, um processo de narrativa. Algo tem que ser contado, mesmo se esse algo for o nada. Observando obras como 'O Grande Hotel Budapeste' (2014, de Wes Anderson) e até mesmo o recente 'Thor: Amor e Trovão' (2022, de Taika Waititi), pode-se notar que o formato de tela e a escolha das paletas de cores - em especial em escala de cinza - possuem sempre algo a dizer dentro da narrativa proposta. No filme de Wes Anderson o formato de tela oscila periodicamente, variando de acordo com o tempo da história que é contada (presente, passado, mais passado ainda, etc, se enquadrando de acordo com as eras do cinema). No filme de Waititi, a escolha pelo Preto & Branco evidencia uma ausência de felicidade, numa escala muito mais leve do que a vista no impactante 'A Lista de Schindler' (1993, de Steven Spielberg). Vê-se nesses trabalhos uma perícia técnica onde a estética visual está em prol da narrativa, acrescentando informações e enriquecendo a experiência. Em 'Blonde', no entanto, esses artifícios não comunicam absolutamente nada - e nem sequer o "nada" do abstratismo é representado com essas escolhas deslocadas, dando todo um quê de aleatoriedade que, sinceramente, além de não ajudar ainda conseguiu se tornar um incômodo.

Existe uma gratuidade desprovida de qualquer sentido no uso tanto dos formatos de tela quanto na escolha do intercalar das paletas, que num momento estão coloridas e no outro ficam em Preto & Branco. Essa linguagem desconexa não comunica nada; a escala de cinza (belíssima, por sinal) não se justifica em momento algum. Durante a exibição cheguei a cogitar se tratar de variações de humor da protagonista, flashbacks, ou até mesmo etiquetas visuais para apontar o que é verdade e o que licença poética (por assim dizer, uma vez que o filme é uma pseudo-biografia com uma liberdade histórica enorme sobre o que pode ter acontecido ou não - como um ballet de especulações feito em retalhos de uma não-história). 'Blonde' nada contra a corrente da coerência narrativa (coisa que pode muito bem funcionar em outras obras, sem problemas, mas não se enquadra aqui devido a uma condução terrível de linguagem audiovisual) e desvirtua alguns componentes fundamentais para a fluidez natural da trama, fazendo a história seguir por mais de 2h40 sem decidir o que quer contar de fato. É como assistir uma ópera barulhenta, onde não se entende o que é cantado mas aprecia-se a entoação do cantor. 'Blonde' é esteticamente bonito, mas essa beleza é artificial e não consegue se desvencilhar desse caráter plastificado e embalado para premiações.

Contudo, o que me levou a amar o filme foi a entrega pessoal de Ana de Armas, que por várias vezes me levou a confusões mentais sobre eu estar assistindo uma atuação dela ou a registros de banco de imagens, dada a semelhança que ela teve com Marilyn - ou Norma Jeane, seu nome de batismo, que é bem mais explorado aqui em uma dualidade entranha de "médico e monstro" onde Marilyn e Norma enfrentam uma a outra sobre quem é quem, constantemente. O que me deixou incomodado nesse quesito foi a insistência em macular a imagem de Norma Jean e deixar a persona "vulgar" para Marilyn. Entre gemidos sexuais e choramingos chamando por um "daddy" a cada novo envolvimento romântico, fica uma impressão de que o diretor Andrew Dominik fez um compilado de trechos aleatórios do livro do qual 'Blonde' é adaptado (cuja obra original é de autoria de Joyce Carol Oates) e explorou um lado triste e insano do ser popularmente mitológico que Marilyn se tornou. Apesar de aparentemente íntimo, o resultado final é superficial e um tanto deturpado. Uma pena. Ana de Armas está ótima, mas nem mesmo seu talento e sua beleza estonteante são capazes de tornar 'Blonde' uma experiência legal.


Vale Ver Mas Nem Tanto!



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