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'Lavra' : a geografia da danação após apocalipse minerador | 2022

NOTA 8.0

“O que habita as paisagens que já não existem?”

Por Alan Ferreira  @depoisdaquelfilme

Em dado momento de “Lavra”, acompanhamos um longo plano aéreo, semelhante àqueles que percorrem planetas distantes em filmes de ficção científica, mostrando uma paisagem devastada pela ação predatória das mineradoras. Vemos uma extensa cadeia de montanhas talhadas pelo cinzel da ganância desmedida. É sobre os efeitos territoriais e humanos dessa prática inconsequente, que culminou nos catastróficos rompimentos das barragens de Mariana e Brumadinho em Minas Gerais, que o híbrido de ficção e documentário dirigido por Lucas Bambozzi vai se debruçar.

A partir da jornada da personagem Camila, uma geógrafa nascida na região afetada que retorna dos Estados Unidos após concluir seus compromissos acadêmicos, vamos conhecendo a real dimensão dos impactos trazidos pela exploração do setor minerador no estado brasileiro que, segundo a narração melancólica da personagem vivida por Camila Mota, “carrega no nome sua vocação extrativista”, no qual o trem “leva pedaços do lugar e das pessoas”. Fica claro na abordagem proposta por Bambozzi que a ideia é mostrar como a eterna promessa do progresso alterou drasticamente – nem sempre para melhor – a vida de uma população que começou a ter que lidar, para além dos iminentes riscos de contaminação do ar e das águas por metais pesados, com os problemas típicos de locais em “desenvolvimento” como tráfico, prostituição e aumento dos casos de estupro.  

Nessa geografia da danação proposta pelo roteiro de Christiane Tassis, conceitos como “território” e “paisagem” são expostos de forma didática para que, mais adiante, eles possam ser ressignificados frente ao descaso das empresas responsáveis pela tragédia. E para que o espectador que acompanhou tudo pelo noticiário possa sentir também o peso da lama sobre seus ombros, o longa vai inserindo pouco a pouco a presença de Camila naquele cenário devastado. Se, de início ela é apenas uma narradora em off, gradativamente, seu corpo vai se inserindo nos enquadramentos à medida que se envolve com os dramas das pessoas que encontra pelo caminho, tornando a identificação inevitável.

Assim, ao conversar tanto com jovens numa praça (que, inclusive, citam a poesia de um já preocupado Drummond) quanto com o nonagenário Seu Zezinho, a personagem traça uma cartografia da dor, cujo objetivo é dar voz a quem teve a vida arrasada pela ganância de empresas poderosas e que padecem sem a devida reparação. Resta-nos, então, esperar que crimes ambientais dessa magnitude não voltem a ocorrer; contudo, diante da impunidade, rejeito mais nocivo de toda essa lama, fica difícil acreditar que o chão não voltará a tremer como aterrorizante prenúncio de uma onda de morte e destruição: “Minas Gerais foi erguida em cima da mineração e da fé. O que move mais montanhas?”. 


Vale Ver!



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