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Mostra SP : 'A Filha do Caos' | 2022

NOTA 7.0

Por Karina Massud @cinemassud 

Embalados ao som de uma elegante trilha jazzística, somos apresentados à Maria, protagonista do longa "A Filha do Caos". Maria é uma atriz à beira de um ataque de nervos, ela sofreu uma grande perda  e está prestes a encenar a personagem da mitologia grega Jocasta, a mãe que vive a heresia do incesto com seu filho Édipo na peça clássica "Édipo Rei". O ofício de atuar foi o que lhe restou depois que a tragédia esfacelou sua vida e a transformou num tormento onde ficção e realidade se misturam.  Quando tudo parece um grande borrão, ela tem um encontro revelador que parece ser o ponto da virada pra retomar a sanidade. Guardadas as devidas diferenças no roteiro e na estética, os dilemas intrínsecos à maternidade e às perdas ligadas a ela lembram a recente produção da Netflix "A Filha Perdida". 

Maria é lindamente vivida pela atriz Bruna Spínola, que também corroteiriza o longa, e assim como a maioria das mulheres, ela é plural e desempenha vários papéis na vida: ela é mãe, é atriz, é amante, e porquê não, é Jocasta em seu amor pelo filho. Mas a protagonista não está confortável com essa multiplicidade, ela encarna e combate diariamente cada uma dessas mulheres, sem no entanto achar a paz e um significado para elas. Essa enorme pressão por desempenhar bem inúmeras funções costuma ser inerente às mulheres, que se cobram e são cobradas a serem mães exemplares, ótimas donas de casa, profissionais bem sucedidas e ainda ostentarem um sorriso no rosto custe o que custar. 

O longa de cerca de 70 minutos dirigido por Juan Posada é pontuado pela subversão da linguagem cinematográfica com a inclusão de elementos teatrais em cenas da peça "Édipo Rei". A fotografia em preto e branco, aliada à atmosfera mística (ou religiosa, aqui cabem ambas interpretações), apesar de não serem um recurso inédito em dramas existenciais, funcionam para potencializar o mergulho na alma de Maria, que tem sua perspectiva de realidade cada vez mais distorcida e longe de se libertar do caos que virou sua saúde mental. As canções de Billie Holiday se revezam com uma trilha de suspense hitchcockiano que nos levam da reflexão sobre a vida pra angústia em questão de segundos. Estamos todos – Maria e o espectador – num típico pesadelo expressionista.

A mente é poderosa e prega muitas peças traiçoeiras nos momentos mais difíceis, cabe a nós não nos deixarmos dominar por essas armadilhas, tendo força para vencê-las e assim guiar nossa vida e destino. O embate que Maria trava com as tantas figuras femininas que encarna é penoso e fruto do desequilíbrio causado pela confusão que tomou conta da sua alma; reestruturá-las será um desafio que talvez possa ser vencido com a ajuda do rabino que surge como um sopro de calmaria e talvez lhe ajude a sobreviver ao caos.


Vale Ver!




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