'Uma Garota de Muita Sorte' traz à tona uma história espinhosa mas necessária | 2022
NOTA 8.0
Por Karina Massud @cinemassud
Ani parece ser aquele modelo de mulher que todas nós gostaríamos de ser: uma redatora de sucesso numa revista fashionista famosa e prestes a ir pra New York Times Magazine; bonita, bem vestida, magra e noiva do garoto mais lindo da escola, um jogador de lacrosse e de família rica que vai lhe dar um sobrenome importante. Ani tem tudo? Não meus caros, ela não tem “pedigree”.
Na época da escola a adolescente Stefani era gordinha e estudava através de uma bolsa de Redação num colégio de elite, e por isso sofria bullying por parte dos amigos ricos e esnobes. Ela cresceu e virou a Ani (pois segundo sua chefe StefAni é cafona) que todas admiram , no entanto jamais perdeu seu complexo de inferioridade e passa a vida tentando ser aceita na alta sociedade nova iorquina, seguindo seus valores fúteis vindos da bolha alienante onde vivem. Segundo a própria Ani, ela é uma “boneca de corda” que responde a comandos e atende às expectativas de todos, menos as dela mesma.
A protagonista guarda um segredo inquietante e os profundos traumas do passado não dão um minuto de folga e acabam por atrapalhar sua luta rumo ao topo com dúvidas frequentes. Ela está prestes a se casar e finalmente deixar tudo para trás quando um documentário sobre a tragédia ocorrida na escola começa a ser produzido, desenterrando fatos incômodos e ameaçando todas as suas conquistas.
“Uma Garota de Muita Sorte” é um drama da Netflix adaptado do romance de mesmo nome escrito por Jessica Knoll (que também roteiriza o longa), onde ela exorciza a violência sofrida no colégio, que depois se conectou a outro incidente fatal. Mila Kunis está excelente como a atormentada Ani, que oscila entre o júbilo de suas vitórias pessoais e profissionais e o desespero diante das feridas que a impedem de seguir em frente serenamente com seus planos. A vida ficou mais fácil mas não a amaciou emocionalmente, tornando-a numa mulher ácida e fria, cuja ambição tomou o lugar do lado vingativo que vez ou outra cisma em vir à tona.
A direção de Mike Barker (“The Handmaid’s Tale”) faz do livro de Jessica Knoll um suspense com algumas reviravoltas surpreendentes. A primeira metade do filme é focada nos anseios e na batalha de Ani pra ser adequar, fazendo dieta pra ficar bem nas roupas de grife, escolhendo o vestido de noiva perfeito e fazendo tudo o que um homem procura numa moça “pra casar”. Os flashbacks da época da escola mais confundem do que explicam a ambiguidade dos personagens, todos parecem vilões e mocinhos ao mesmo tempo. Já a segunda parte foca na tragédia que aconteceu, fazendo com que a trama pareça dois filmes completamente distintos, pois faltou equilíbrio na distribuição das várias temáticas.
Apesar do desenvolvimento do roteiro não ser excelente, ele nos direciona ao recente e importantíssimo movimento #MeToo, a mobilização contra o abuso sexual que visa incentivar as vítimas a quebrarem o silêncio e denunciarem seus abusadores. Vítimas de violência sexual sentem culpa, vergonha e medo de denunciarem seus agressores, mas com uma pessoa apoiando e as inspirando, tudo parece ficar mais fácil. Há que se encorajar essas mulheres sobreviventes a curarem suas feridas e se libertarem dessas amarras. Temas secundários, mas não menos importantes, também são abordados na trama. como a não aceitação e exclusão social, a indústria armamentista americana e a pressão social pelo sucesso em todas as áreas da vida.
As pequenas falhas do longa são superadas pela história de catarse e redenção de Ani, que começa a trama gerando zero de empatia, mas que termina sendo uma heroína que cumpriu sua missão, com ela e com toda a classe feminina.
“Uma Garota de Muita Sorte” causa um forte impacto por mostrar uma realidade de privilégios com muito lixo jogado para debaixo do tapete, e por tocar na questão delicada que é a violência sexual entre amigos. Se fosse uma trama totalmente ficcional muita gente diria que o roteiro exagera no modo trágico como o episódio é mostrado, porém essa história é verídica e chocante, e por isso mesmo imprescindível.
Vale Ver!
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