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Festival do Rio 'Noites de Paris' I 2022

NOTA 8.0

Por Maurício Stertz @outrocinéfilo 

Paris. Anos 80. Elizabeth é uma jovem mãe solteira. Havia pouco assinado os papéis do divórcio. Ficou com uma casa desnecessariamente grande e com dois filhos que tem dificuldade de se aproximar: Mathias, um adolescente com o sonho de seguir pelo mundo da poesia e Judith, uma garota politizada e ativa nos movimentos sociais dos tempos de uma Europa que assistia ao 'fim' (ainda inesperado) da Guerra Fria. Esse é um quadro pintado em tons escurecidos pelas noites parisienses por onde passa o filme dirigido por Mikhaël Hers.

A fim de manter uma ambientação exata em tempo e local, é acertada a inserção do acervo histórico de uma Paris que é romantizada e atípica para nós, de cotidianos diferentes daqueles somente reconhecidos pelo turismo forçado pela livre procura. Aos poucos, a diretora as insere como documentação, demonstrando as ruas de Paris, onde crianças brincam, enquanto os jovens e os espaços plasticamente belos são tomados por um silêncio ensurdecedor. Tudo isso serve para compor as camadas como um leque e reforça, por fim, o que é dramatizado sob a supervisão de Elizabeth, interpretada pela excelente Charlotte Gainsbourg. Se quando vemos os atores a câmera tenta não abusar da ambientação recriada quase 40 anos mais tarde pelo design de produção atento, somos jogados de volta à história assim que o caráter mais documental aparece na montagem em relances, dando significância a todos os planos que o antecedem.

A mãe, uma leoa, como recebe de “elogio” num daqueles momentos inspiradores com um dos namorados que se permite ter, representa a força materna de alguém que jamais se fragilizará perante o mundo. Agora solitária, encara uma volta à vida amorosa e uma volta ao mercado de trabalho. É quando acaba como atendente em uma rádio local durante a madrugada e conhece a história de Talulah, uma menina sem laços e sem lar, que resolve levar para casa, pelo senso de cuidar, como uma filha que já tinha, provando que dentro desse abraço caberia mais afeto. Dali, um relacionamento inocente e juvenil surge com Mathias, numa roupagem pelos anos seguintes a lá 'Harry e Sally: Feitos um Para o Outro', título em português que sempre pensei entregar ao destino e simplificar as idas e vindas do amor, mas isso é papo para outra crítica.  

Com as andanças noturnas, o tom melancólico se avermelha em neon e toma conta da tela, para recriar os romances juvenis ou mais maduros e seguros de si, enquanto os cotidianos se formam, românticos, como poesia contada em três ou quatro versos, numa métrica que aparece apenas como as consequências que o dia nunca pudera trazer a eles.

Por fim, Paris é o berço da recuperação do afeto, da reaproximação carinhosa e da felicidade de uma mãe que se liberta aos poucos, amadurecendo como se tivesse voltado à adolescência que vê em seus filhos. 'Noites de Paris' é sobre nós. Cotidianos que, mesmo culturalmente distantes, são tão próximos a nós e funcionam como recortes universais de amor. Afinal, a importância está nos passos que quebram a noite e a desarmam constantemente e encontram os refúgios na solidão habitual.


Vale Ver!



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