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'Pinóquio' : Del Toro ambienta o conto na Itália fascista em mais uma adaptação do clássico | 2022

NOTA 9.5

Por Rafa Ferraz @issonãoéumacrítica 

Os contos infantis como conhecemos hoje se popularizaram, em grande medida, graças as adaptações da Disney que tiveram início nos anos 30 com “Branca de Neve e os Sete Anões”. No entanto, a maioria dessas histórias têm origem no folclore europeu, alguns tão antigos que remontam à Idade Média. Embora também naquela época a função fosse educativa, o elemento medo era muito mais presente, com temáticas impossíveis de serem assimiladas pelas novas gerações. Daí a importância de releituras, inclusive a do próprio Pinóquio cuja obra mais famosa foi lançada nos anos 40 e possui passagens bastante datadas, para dizer o mínimo. Outra razão tão importante quanto, é o fato de não haver história ainda não contada, de modo que se tudo já foi dito, o diferencial está na forma e nas infinitas possibilidades de re-imaginação, seja do ponto de vista ético/moral ou de puro exercício estético/artístico. Pinóquio originalmente foi escrito por Carlo Collodi em 1883, desde então as novas versões foram ganhando contextos menos sombrios e mais palatáveis, porém, precisou ninguém menos que Guilhermo Del Toro para retomar esses aspectos mais controversos do clássico, começando por desloca-lo para a Itália fascista dos anos 1930, e com isso, manda um recado cada dia mais atual.

Na trama acompanhamos Gepeto que, ao perder o filho em um atentando, passa por um período de profunda melancolia e autodestruição. Anos após o acontecimento, embriagado e tomado pela raiva, cria o boneco Pinóquio. Durante a noite a residência recebe a visita da fada azul, que sob os olhares do grilo falante, dá vida ao personagem de madeira, designando o pequeno inseto como seu conselheiro e protetor.

À primeira vista a premissa sugere muito mais semelhanças do que diferenças se comparado a versão Disney, mas não se enganem, segundo as próprias palavras do Del Toro, se trata de “um filme que as crianças podem ver, mas não foi feito para crianças”. O pano de fundo da Itália fascista talvez seja a mudança mais evidente. Ao deslocar seu contexto para aquele país, na época governado pela ditadura de Mussolini, o cineasta dialoga também com nossos tempos, uma vez que a cada dia o autoritarismo não só ganha corpo, mas voz e legitimidade. Todavia, o cineasta não deixa de fora seu habitual modo de subverter expectativas, e aqui, de maneira brilhante, o autor transforma o culto à obediência, em celebração a desobediência. Claro que tudo isso é construído e está contido em uma crítica feroz ao militarismo e a formação dessa mentalidade de culto à personalidade do “grande líder”, entretanto é notável como isso é feito através das sutilezas dos diálogos e de mensagens subliminares em cartazes.

O elenco reúne astros de primeira categoria. Ewan McGregor dá voz ao grilo falante e imprime com perfeição o papel de tutor e guia. A introdução do personagem é primorosa e cheia de simbolismos. Ele começa como um inseto errante que decide montar uma pequena “residência” provisória no interior do tronco da árvore que viria a se tornar Pinóquio. Entre suas poucas mobílias, um quadro de Arthur Schopenhauer, filósofo alemão que, entre muitas das ideias, pregava o desejo como maior desafio da existência. David Bradley interpreta Gepeto, e como em nenhuma outra adaptação, o mestre carpinteiro tem total protagonismo, em muitas sequências com destaque ainda maior que o próprio Pinóquio, cuja voz é do jovem Gregory Mann, com uma ótima performance que transmite emoção, inocência e ousadia necessárias. Completam o elenco de estrelas Christoph Waltz, Cate Blanchett, Tilda Swinton, Ron Perlman e Finn Wolfhard, todos muito bem, apesar do tempo de tela reduzido.

Dentre os tipos de animação, o stop-motion ainda é relegado a segundo plano, em parte por ser uma técnica exaustiva e exigir da equipe envolvida, habilidades que remetem mais a um artesão, ou seja, demandam um vínculo para com aquele que manipula, uma mentalidade completamente oposta a atual dinâmica comercial e industrial vigente. Em se tratando das passagens musicais, nenhuma é memorável. Elas agradam, contudo, dificilmente encantam.

A história de Pinóquio tem quase 140 anos de existência, todavia, como todo bom clássico, é atemporal e dialoga conosco como se ainda jovem fosse, e não deixa de ser impressionante como algo tão singelo tenha tamanha força. Em 2022 vemos mais uma página sendo escrita (ou re-escrita) sobre o famoso boneco de madeira, e é a vez do gênio Del Toro dar seu sopro de criatividade, e por que não dizer, lhe prover não apenas vida, mas também alma.


Super Vale Ver!



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