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'Terra dos Sonhos' : uma emocionante (e surpreendente) fábula da solidão | 2022

NOTA 9.0

Às vezes um porco é só um porco

Por Vinícius Martins @cinemarcante 

O livro 'Perdas Necessárias' (excelente, por sinal), da autora Judith Viorst, pontua em seu décimo sexto capítulo as primeiras camadas do luto e as tantas possíveis primeiras reações a ele, concluindo que em princípio "o fato de alguém que amamos não existir mais no tempo e no espaço não é ainda uma realidade, está além do que podemos aceitar". O novo filme da Netflix, 'Terra dos Sonhos', trabalha um conceito similar a este e se apresenta, em um primeiro momento, como um filme de aventura partindo da apreciação do luto e a busca por sua superação. Não é uma impressão errada, devo dizer, mas é superficial se encarada apenas dentro dessa esfera. Na trama acompanhamos a jornada de uma garota órfã (Nemo, interpretada por Marlow Barkley) que encontra conforto para a perda do pai adentrando o mundo dos sonhos com um amigo que ele tanto falava a respeito, e parte em uma aventura a fim de reencontrar nesse mundo uma pérola que permitirá a ela reencontrar o pai que perdeu. Embora a premissa faça parecer que o filme é simples, suas entranhas sentimentais são extremamente densas.


Ocorre que, se visto de forma mais minuciosa, percebe-se que o tema central do filme é a solidão. A garota, o tio, o amigo do pai (e inclusive o pai, de certo modo), todos imensamente solitários. Até mesmo o farol, em uma ilha cercada por quilômetros de mar de distância da costa, acaba sendo uma alegoria para o isolamento. E a história vai adentrando a sua própria mitologia em uma mescla de gêneros que oscila principalmente entre aventura, drama e comédia, fazendo uma montanha russa de emoções que culminam em uma obviedade que, aqui, ganha tantos ares de aprendizado que acaba soando como uma novidade - talvez em especial por se tratar da jornada de evolução de uma garotinha de onze anos enquanto tenta entender o mundo a sua volta e aceitar o vazio que existe nele agora que seu pai se foi. A solidão impera de forma intrínseca e, embora o filme seja repleto de picos de felicidade e momentos compartilhados com os personagens interagindo entre si, ela nunca sai de cena de verdade. Com isso, 'Terra dos Sonhos' se dá sobre o amadurecimento compulsório e a superação através da dor, com um viés agridoce de compreensão sobre uma das maiores lições da vida. Ainda usando as palavras de Viorst, digo que "a dor… passa a ser não um estado, mas um processo".

No mais, a direção de Francis Lawrence é formidável em seu tempo e na forma como o universo apresentado é estabelecido, com um destaque notável para a equipe de design de produção. O argumento dos sonhos permite uma aceitação mais fácil a alguns atalhos dos efeitos visuais, que, apesar de bons, não reinventam a roda; e a trilha sonora presenteia o público com uma música tema deliciosa e chiclete, cuja melodia é tão simples e bonita que dá vontade de continuar ouvindo por mais tempo. Jason Momoa encarna o amigo do mundo dos sonhos, Flip, e insere elementos gestuais e trejeitos que remetem à construção de Johnny Depp para seu icônico Jack Sparrow. E por fim, Kyle Chandler e Marlow Barkley que conseguem estabelecer uma dinâmica familiar crível e admirável mesmo com pouco tempo de interação entre os dois em tela, transpondo sentimentos verdadeiros em suas interpretações e cativando através da simplicidade do cotidiano.

Sendo uma das maiores surpresas do último bimestre de 2022, 'Terra dos Sonhos' é mais um excelente acréscimo ao catálogo da Netflix e dá uma aula não de cinema, mas de afeição e auto-pacificação. Às vezes é preciso desistir do próprio sonho para encontrar alguma coisa mais importante (palavras do filme), e cada um tem o sonho que precisa ter para se encontrar em seu próprio caminho. Somos resultados dos erros e acertos que cometemos, e principalmente da forma como reagimos às perdas que a vida nos impõe. As coisas simplesmente são o que precisam ser, e precisamos continuar crescendo. Pode parecer piegas e até mesmo cafona, mas essa é uma das mensagens mais poderosas e íntimas que a sétima arte me trouxe esse ano.


Super Vale Ver!



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