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'Tár' : longa de Todd Field estrelado por Cate Blanchett é cinebiografia fictícia cheia de verdades | 2023

NOTA 9.0

Por Rafa Ferraz @issonãoéumacrítica 

"Na conversa da sociedade, três quartos das perguntas feitas e das respostas dadas são para magoar um pouco o interlocutor; é por isso que muita gente tem sede da sociedade: ela confere a todos o sentimento de sua força" – Friedrich Nietzche (1844 – 1900) 

Assistir Cate Blanchett atuar é sempre um evento à parte. De mãe professora e pai militar, Cate viveu em Melbourne da infância até se formar na faculdade. Uma vida comum e até certo ponto, banal. Já no cinema, nasceu gigante. Seu primeiro papel de visibilidade internacional foi como Elizabeth I, em 1998 no filme ‘Elizabeth’. Por ele recebeu uma indicação ao Oscar de melhor atriz quando, após ganhar todas as premiações até então, perdeu a estatueta para Gwyneth Paltrow, em uma das decisões mais controversas da história recente da Academia. As décadas seguintes comprovaram o quão esdrúxula foi aquela edição do Oscar e de lá pra cá, Blanchett acumula duas conquistas e oito indicações. Se a simples presença da atriz já vale a experiência, não é surpresa que um longa feito sob medida para ela teria estatura suficiente para levá-la ao topo mais uma vez.

Antes de mais nada, a César o que é de César: apesar do brilho insuperável da atriz, esse mérito não é só dela. Após 17 anos longe da direção, Todd Field retorna e mostra ainda estar em forma. Tendo no currículo dois ótimos e reconhecidos trabalhos, ‘Entre Quatro Paredes’ (2001) e ‘Pecados Íntimos’ (2006), lhe faltava uma obra memorável. Talvez seja uma classificação um tanto precipitada. É no mínimo arriscado cravar hoje que essa missão foi cumprida com ‘Tár’. Sobre a dimensão do sucesso, não há melhor juiz do que o tempo. Já se considerarmos a temporada 2022, não é exagero dizer que ele figura entre os melhores, afinal, sendo verdade que Cate e Todd entregam o melhor de suas carreiras, é improvável que o resultado da equação não seja o mais positivo possível.

Na trama acompanhamos Lydia Tár, amplamente considerada uma das maiores compositoras/regentes vivas e a primeira maestrina chefe de uma grande orquestra alemã.

Optando por uma abordagem direta, logo na abertura, acompanhamos uma entrevista concedida por Lydia a um importante canal de comunicação. A sequência é expositiva, mas nela passamos a ter noção da grandiosidade da personagem com quem vamos lidar nas próximas 2 horas e 48 minutos. Tempo esse que transcorre em ritmo irregular, entretanto parte da irregularidade se dá devido a densidade, tanto da trama quanto das pessoas envolvidas. A primeira metade é um mergulho na vida e na psique da protagonista, e isso por si só, exige fôlego. Os diálogos, a performance de Lydia nos ensaios e a relação com todos que a rodeiam precisam de tempo para assimilação e se por um lado o ritmo pode ser um problema, as discussões levantadas têm potencial de ficar para além dos créditos finais. Todas possuem peso e o filme não se ocupa com maiores explicações. Essa ausência de didatismo acrescenta mais uma camada à obra. Por não nivelar seu espectador por baixo, mostra que a narrativa demanda maturidade. Não se trata de cinema restrito quanto à linguagem, mas sem dúvida é impenetrável para mentes pequenas.

Conforme mencionado anteriormente, é legítimo a divisão dos louros quanto ao êxito da obra. Cate Blanchett não "carrega o filme nas costas". Dizer isso é descartar a autoralidade impressa por Todd Field e todo o esforço anterior de construção da personagem escrita e pensada para a atriz, que em sua genialidade, a executa com primazia. Acompanhar Lydia e sua trajetória suscita muitas sensações, dentre elas angústia e até certa dose de confusão. Ela é inteligente e perfeccionista, mas constantemente toma decisões tolas. Ela ama a esposa e filha, mesmo assim, quase que por instinto, as repele. Na complexidade de Lydia Tár não cabem verdades absolutas. Trata-se de uma figura passível de crítica, porém imune a julgamentos. Humano, Demasiado Humano.








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