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'A Baleia' : Darren Aronofsky aposta no drama e na força de um personagem aterrador | 2023

NOTA 8.5

Por Rogério Machado 

Darren Aronofsky é sem sombra de dúvida um dos realizadores mais festejados dos últimos anos.  Mas como ninguém é intocável, o cineasta ao passo que causa furor também pode causar fúria, ou na melhor das hipóteses dividir opiniões. São raros os longas do diretor que podem ser considerados unanimidade, e eu ousaria, na minha insignificância, afirmar que 'Réquiem por um Sonho' (2000) e 'Cisne Negro' (2010) estão entre esses trabalhos quase irretocáveis e adorados por dez entre dez, fenômeno esse que alguns poucos conseguem na carreira. Aronofsky não tem muitos trabalhos até aqui, mas é certo dizer que seu cinema tem fortes vertentes surrealistas, que chamam a atenção por mexer com a psiquê humana. Sua nova empreitada, 'A Baleia', que chega essa semana aos cinemas, é uma aposta um tanto diferente de seus trabalhos de destaque, mas ainda assim dando o devido potencial e protagonismo a um personagem marcante, algo não raro de se ver em seus projetos, independente dos caminhos que o cineasta escolha percorrer.  


No drama acompanhamos 
Charlie (Brendan Fraser), um professor de redação que vive recluso. Com obesidade severa - ele está com 272 quilos - Charlie luta contra um transtorno de compulsão alimentar. Ele dá aulas online para uma faculdade, mas faz questão de deixar a webcam desligada, com medo do que vão pensar de sua aparência. Apesar de viver sozinho, ele tem a constante companhia de sua amiga e cuidadora, Liz (Hong Chau), que tem uma ligação direta com seu passado. Seu grande objetivo hoje é retomar o contato a filha, Ellie (Sadie Sink), hoje uma adolescente revoltada por ter sido abandonada aos oito anos junto com sua mãe, Mary (Samantha Morton), porque à época ele teria assumido um romance com um aluno

Com o pretexto de ajudar Ellie com uma redação para a escola, Charlie faz um grande esforço pra ter a filha por perto mais vezes e enfim se reconectar com ela novamente, tentando assim reparar os erros do passado. Passado esse que parece tão inalcançável porque ele mesmo já não se reconhece  quando olha pra si mesmo - sua aparência se tornou um empecilho para que ele se reconhecesse e buscasse ser reconhecido - sua figura assustadora e suja passou a se tornar seu calvário vexaminoso, contudo, acima do medo de se mostrar, estava o acerto de contas que ele precisava fazer consigo mesmo. Sua grande forma física nada mais foi, durante muito tempo, uma espécie de analogia de um homem que se perdeu, se escondendo em uma gruta para fugir de si mesmo. Como uma grande 'casca' que cresceu em torno de sua vergonha. 

Aronofsky, ainda que com uma ousadia muito aquém de alguns trabalhos anteriores, nos traz uma trama sobre reencontros fazendo um paralelo interessante com religião, preconceito e aceitação. As proposições aqui colidem nesse personagem emblemático criado por Aronofsky, tão brilhantemente defendido por um Brendan Fraser irreconhecível, que além de engordar para o papel ainda teve que usar próteses que o deixaram com 130 quilos a mais. Fraser que não protagoniza um longa há mais de 12 anos e depois de alguns eventos controversos, retorna sem desperdiçar essa chance de ouro. Aqui é nítido que ele se estabelece como a cereja do bolo no projeto - seu Charlie é um dos personagens mais fortes e comoventes que já vi nessa longa caminhada junto ao cinema. 

'A Baleia' é um profundo estudo sobre a decadência da humanidade e o quanto ainda temos que galgar pra evoluir. O cenário da casa de Charlie - onde se passa todo o filme - é um microcosmo sombrio onde circulam sobreviventes de um mundo repleto de incongruências e torpezas. Confesso que saí abalado da sessão, mas ao mesmo tempo senti alívio por termos quem olhe pra essas deficiências humanas e as traduza tão bem na tela de cinema. É o velho caso do entretenimento que atinge na alma. Bingo! 
















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