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'Gemini: O Planeta Sombrio' : filme russo recicla ideias em mistura inerte | 2023

NOTA 2.0

Por Vinícius Martins @cinemarcante 

Me reconheci há pouco tempo como um grande apreciador do cinema soviético, em especial pelo trabalho de Serguei Eisenstein e Elem Klimov, tendo esse último feito um dos melhores filmes de todos os tempos, 'Vá e Veja', de 1985. O cinema russo, em particular, chama muita atenção graças ao pioneirismo estético e narrativo de grandes realizadores como Andrei Tarkovsky, Alexandr Sokurov e Nikita Mikhalkov - e quando falamos de cinema russo é na categoria de seus filmes que pensamos. Ocorre que em todos os mercados cinematográficos há títulos de qualidade duvidosa ou no mínimo questionável, e com o cinema russo, infelizmente, não é diferente. O filme de lá que chegou aos cinemas brasileiros nas primeiras semanas de 2023 como uma das obras mais promissoras da temporada (embora contida, quase igual a um clássico cult instantâneo) é uma ideia de milhões que se mostrou uma concepção de centavos, se provando uma grande frustração consumada pela direção conjunta de Serik Beiseuov e Vyacheslav Lisnevskiy. O trailer foi um dos que mais me despertou interesse na véspera de seu lançamento, e devo dizer: é imensamente melhor que o filme. Estou falando de 'Gemini: O Planeta Sombrio', que é tão caótico quanto tedioso - e eu até agora não sei por qual razão ele foi feito.

A pegada de ficção científica espacial e horror me interessou logo de cara, e a prévia dava uma dimensão grandiosa para a trama de sobrevivência que o filme trabalharia; uma bela jogada do marketing, devo dizer, embora desleal. Em 'Gemini' é possível encontrar um carrilhão de semelhanças a outros filmes - claro que 'Alien: O Oitavo Passageiro' ('Prometheus' e 'Covenant' também) e 'Interestelar' são as mais óbvias e evidentes, e o filme dá sinais de potencial para ser tão bom quanto ambos ao propor essa mistura, mas acaba gangrenando em sua própria ambição. A premissa é simples: Planeta Terra morrendo por um vírus, um grupo indo ao espaço procurar um novo lar, um bicho mortal perseguindo a galera e mortes estúpidas de gente que ninguém se importa. Ah! E tem até um romance extremamente mecânico que não gera nenhum alcance empático com o público e termina com uma cena idêntica a do final de 'Te Amarei Para Sempre', mas sem o menor impacto emocional que o filme de 2009 emana. Tudo soa mentiroso e conscientemente irreal, inclusive o nome do filme; o planeta não se chama Gemini, esse é o nome do projeto de salvação do mundo ao qual o título original se refere, 'Project Gemini', mas que não foi traduzido assim para evitar confusões com o filme de Ang Lee estrelado por Will Smith.

Todas as interações parecem desprovidas de emoções verdadeiras (talvez por questões culturais, já que alguns filmes europeus me causam alguma estranheza até hoje, mas tenho certeza quase absoluta que não é o caso aqui), e nem mesmo a coerência interna do filme é respeitada - isso sem falar que um bando de gente aleatória sem o menor preparo foi ao espaço salvar a humanidade e não há nenhum alarde disso, como se nem o povo da Terra desse filme se importasse. Caramba, não tinha nenhum astronauta pra mandar no lugar desse povinho aí não? Um bando de gente chata, com intrigas fúteis e imaturas, que parecem não entender a gravidade da situação com que estão lidando e alcançando zero conexão com o público, em um nível que ninguém dá a mínima para a ameaça (que não gera nenhuma tensão e nem assusta com sua letalidade) e nem tampouco para as vítimas dela - fora os dilemas pessoais e conflitos coletivos risíveis e mal desenvolvidos, que vão além da tentativa fracassada de emplacar a crença de que um casal sem nenhuma química é o centro da coisa toda e é o amor deles que poderá ser a chave da salvação da humanidade. Com isso, acompanhamos basicamente uma batalha egóica onde o despreparo profissional é critério para ser recrutado, e as crendices em mitos são fundamentações tão densas que levam esse filme a ser um filme religioso sem propriamente ser. Tem até cena com bíblia!, faça-me o favor.

Para não dizer que o filme é de todo ruim, temos aqui uma trilha sonora individualmente muito boa e um trabalho de fotografia e efeitos visuais bem feito e com um bom acabamento - mas voltando a falar mal e explanar minha decepção, terminei o filme com um gosto amargo na boca. É como um prato cheio de coisas e bastante temperado, desses em que você sente o gosto de tudo e de nada ao mesmo tempo; conseguindo identificar ocasionalmente o sabor de um ingrediente e de outro alguns instantes depois, mas no fim percebe-se que a combinação de tudo que foi colocado ali é insulsa e sem identidade própria. O próprio plot no final é tão vergonhoso quanto batido, tornando esse filme um dos mais esquecíveis que vi nos últimos anos - e quando digo 'esquecível' falo bem sério, pois tive que forçar bem a memória para conseguir lembrar do que assisti para fazer essa crítica. Por fim, parafraseando o título em português do melhor filme de Jordan Peele, só me resta dizer: Corra!





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