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'Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania' : filme de Peyton Reed abraça o absurdo em paráfrase de Star Wars | 2023

NOTA 7.0 

Você está na caixa de Schrödinger, e você é o gato.

Por Vinícius Martins @cinemarcante

O estado quântico, segundo a física moderna (e explicado de forma bem simplificada), só pode ser definido através de um exercício de observação, e é basicamente sobre isso que se trata o experimento do Gato de Schrödinger - experimento este que tem ganhado muito espaço na cultura pop, principalmente depois do sucesso da série alemã 'Dark', da Netflix. 

Em essência, o conceito da superposição usado no paradoxo em questão é determinante sobre a vida do tal gato, e não é possível saber se o mesmo está vivo ou morto até que a caixa seja aberta e, desse modo, ele seja observado. Trata-se de uma condição peculiar com uma arapuca feita com uma substância radioativa, um medidor Geiger e um veneno que pode ser liberado de acordo com a intensidade da radiação captada pelo medidor, tudo dependendo se essa substância radioativa vai ou não decair (o que é imprevisível). Por isso, o gato não está nem vivo e nem morto, e nem simultaneamente vivo e morto; ele está em um estado que não é coerente tendo como base a nossa existência cotidiana de rotular as coisas. Ele apenas está lá.

Em 'Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania', que é a primeira obra da quinta fase do Universo Compartilhado Marvel, as coisas também apenas estão, e uma maré de probabilidades toma conta da tela através de uma enxurrada de situações singulares que são, ao mesmo tempo, fruto de uma pluralidade colossal à qual os envolvidos estão condicionados. Contudo, se de um lado isso parece complexo, saiba que o filme ignora esse meio e sai do campo científico para se justificar com base na fantasia. Embora exista aqui uma tentativa do estúdio de explicar com alguma ciência os devaneios alegóricos comumente vistos nos quadrinhos, com surtos visuais pirotécnicos e uma chuva de CGI vinda de todos os lados em 95% da duração do filme, essa veia logo se perde e os argumentos dão lugar a uma gama extensa de facilitações e conveniências, deixando o Gato de Schrödinger limitado a um conceito abstrato e uma menção feita apenas pela referência.

Para não deixar uma impressão ruim sobre o filme, devo ser honesto e confirmar meu bom apreço por ele. Me diverti e fui cativado pelos personagens e pelo design de produção, que remete aos episódios II e III de 'Star Wars'. Criaturas, cenários, situações, enfim, a Marvel resolveu espelhar parte do universo criado por George Lucas e fez do reino quântico seu pequeno universo de absurdos belos. Contudo, talvez por parecer demais 'Star Wars' ele se pareça menos um típico filme 'Homem-Formiga'. O diretor Peyton Reed aqui lança mão do traço que mais domina, que é o tempo do humor, para empregar um tom mais sério e menos paspalho do que o visto anteriormente. Esse novo caráter de abordagem ao Homem-Formiga é bom? Em partes, sim, mas em sua maioria deixou a sensação de uma quebra da identidade daquilo que foi visto e estabelecido nos dois filmes solo anteriores. A história - assim como os caminhos que ela toma - torna compreensível a contração do elenco coadjuvante que tanto auxiliou Scott Lang nos filmes de 2015 e 2018, mas não justifica em hora nenhuma algumas alterações de postura para certos personagens (Sim, Janet, estou falando de você e do fato de que no segundo filme você estava auxiliando Scott e Hope a extrair energia do Reino Quântico para a Fantasma e agora deu chilique porque os outros continuaram estudando o lugar).

Muito continua sem explicação: como é possível eles respirarem no Reino Quântico? Como as coisas pegam fogo e explodem lá se eles estão menores do que as partículas do oxigênio? E como o som se propaga se eles… quer saber? É melhor desligar o cérebro para essas coisas e aproveitar as duas horas de despirocagem que a Marvel preparou dessa vez. É o que eu disse: não é um filme científico, embora tente parecer ser; é um filme de fantasia, e tem que ser tratado como tal. 'Homem-Formiga 3' está para a ciência como os sofistas estão para a filosofia. Pronto, resumido. Contudo, já que estamos fazendo comparações, aqui vai algo muito positivo: Jonathan Majors domina a cena com tanta propriedade, tomando-a para si, que sua performance para o Kang pode muito bem ser comparada ao trabalho feito por Heath Ledger em 'O Cavaleiro das Trevas', de 2008. Claro, são duas personas bem diferentes Kang e Coringa, mas uso essa comparação para dar uma dimensão da grandiosidade de sua presença em cena. O filme continua sendo do Homem-Formiga, mas a cada nova aparição de Kang a atenção volta-se à ele quase que magneticamente. Michelle Pfeiffer também está estupenda, e Michael Douglas (o famoso MD) decidiu abraçar os absurdos da franquia e parece estar ali à passeio.

Focando mais no futuro do que no passado do MCU e nitidamente preocupado em estabelecer Kang como uma ameaça tão grande quanto Thanos foi, 'Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania' é uma diversão despretensiosa que deve agradar mais aos espectadores casuais do que aos fãs da Marvel, e está tudo bem. O que importa é que, embora nem tudo precise se conectar ou se explicar, alguma coerência interna seja mantida e um norte seja traçado - e o filme faz isso e ainda diverte, então não posso reclamar porque foi isso que me foi anunciado desde o começo. Concluo dizendo que tal qual ao estado quântico que depende ser observado para ser definido, o terceiro filme do Homem-Formiga depende ser visto para ser clássificado como bom, ruim ou mediano. Cinema varia de pessoa para pessoa, e gosto é algo incrivelmente relativo. Eu gostei, mas muita gente não. Assista você e forme sua própria opinião antes de emitir qualquer julgamento ou condenação, para não acabar decretando a morte de um gato que ainda está vivo na caixa.








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