'Close': Lukas Dhont expõe as vísceras da masculinidade tóxica em longa arrebatador | 2023
NOTA 9.0
Por Rafa Ferraz @issonãoéumacrítica
Representante Belga no Oscar 2023, ‘Close’ é apenas o segundo filme na carreira de Lukas Dhont que, assim como agora, em 2019 conseguiu indicação pelo controverso ‘Girl’. O projeto teve ampla repercussão não só pelo reconhecimento, mas também pelas críticas à condução da temática, que gira em torno de uma jovem adolescente que se prepara para uma cirurgia de redesignação sexual. A maneira como foi retratado gerou barulho suficiente para gigantes da comunicação como The Guardian e Vanity Fair dedicarem matérias inteiras a respeito, um deles intitulado “There’s No Good Reason to Watch Belgium’s Controvercial Girl”. As críticas apontavam uma visão desatualizada da experiência queer e com isso o diretor ficou marcado na época, muito mais pela polêmica do que pelas conquistas. Em seu novo trabalho, uma certa cautela é perceptível, entretanto, a coragem de tocar em feridas abertas continua e embora esse contato seja cuidadoso, a sutileza não nos poupa de um doloroso (e necessário) golpe na alma.
Na trama acompanhamos Léo (Eden Dambrine) e Rémi (Gustav De Waele), dois amigos inseparáveis que tem a parceria repentinamente abalada quando na escola se tornam alvos de comentários que põem em dúvida a sexualidade de ambos, gerando consequências que vão mudar para sempre a vida não só dos garotos, bem como de todos a sua volta.
Conforme já mencionado, é possível que devido a recepção de seu último projeto o cineasta tenha dado um passo atrás na maneira tal qual direciona os olhares, no entanto ele consegue equilibrar bem esse cuidado com a já característica coragem com qual aborda seus temas. Em ‘Close’, é notório como a escolha por enquadrar os protagonistas sempre de perto não só dialoga com o título como estabelece desde cedo o senso de proximidade e intimidade para com a dupla protagonista. O longa começa ensolarado e em meio à brincadeiras em campo aberto, cochilo no ombro amigo e risadas na mesa de jantar, bastam cinco minutos para termos a nítida dimensão daquela amizade e do mais puro e inocente sentimento que une os dois. Sentimento esse que uma vez entregue a nós, expectadores, será motivo de profunda angústia ao acompanharmos as rachaduras geradas pelos pequenos comentários e reproduções de pensamentos arcaicos ainda enraizados no nosso senso comum. Micro agressões que como fendas numa represa, com o tempo, liberam uma força destruidora que vai muito além da nossa compreensão. O uso da trilha sonora é sempre arriscado, pois pode soar demasiadamente manipulativo, porém, em ‘Close’ ela é pontual e discreta.
Em entrevista dada recentemente, Lukas Dhont diz: “O longa trata, claro, de homofobia, mas héteros também são prejudicados por ela. É algo que transcende ser LGBTQIA+. Há espaço para leitura queer, mas é um filme sobre muitas outras coisas”. Ao acompanharmos Léo e Rémi o que se vê é um processo de descoberta que nunca fica exposto, além do sentimento da mais pura amizade, muito embora qualquer leitura que vá de encontro a isso seja sim uma possibilidade.
Vencedor do prêmio do Júri em Cannes 2022, ‘Close’ trata de uma problemática antiga, mas que ganhou a devida atenção há pouquíssimo tempo. Ótimos filmes propuseram boas discussões a respeito, como o recente ‘Ataque dos Cães’, que mesmo abordando a masculinidade tóxica com um outro viés, trouxe à tona algo essencial para nossos tempos. Ao colocar mais uma peça nesse tabuleiro, Lukas Dhont faz uma sensível e ao mesmo tempo poderosa contribuição. É urgente repensarmos nossos ideais e valores que, desenvolvidos numa sociedade extremamente patriarcal, se estabeleceram às custas de muito sofrimento e repressão em prol de tradições primitivas que insistem em se manter de pé. A sétima arte sempre foi política e tem papel fundamental nessa luta.
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