'Creed III' : Michael B. Jordan estreia na direção com filme intimista sobre culpa e redenção | 2023
NOTA 7.0
A maioria das pessoas pensa que é pura violência, mas não é.
Por Vinícius Martins @cinemarcante
Eu me lembro das primeiras vezes que andei de montanha russa. Observar do solo as curvas sinuosas e bem inclinadas para a direita e para a esquerda, os pontos de loop e as descidas quase verticais em alguns pontos de aceleração me era um exercício de antecipação curioso, que me levava a acreditar que eu não ficaria tão surpreso com o brinquedo porque já dava para saber de antemão exatamente o que iria acontecer. Um doce engano juvenil, na verdade. Os gritos, arrepios e frios na barriga vieram sem pedir licença, contrariando minhas expectativas e me mostrando que a jornada, mesmo quando pré-determinada, pode ser emocionante. Aquela sensação me voltou enquanto assistia a 'Creed II', em 2019, e me retorna agora em 'Creed III' com a mesma força de entusiasmo, mas infelizmente não com o mesmo impacto.
Dá para dizer facilmente que o terceiro filme protagonizado por Adonis Creed é previsível e demasiadamente clichê, com uma estrutura similar à de tantos outros que vieram antes dele e a muitos outros que ainda virão depois (como as montanhas-russas que mudam de parque para parque). É possível antecipar como o filme terminará só de assistir aos seus primeiros minutos, e isso, apesar de parecer tirar seu brilho, acaba dando um ar clássico de história de amor e fúria tal qual a experiência de andar em uma montanha-russa, que mesmo sendo parecida com tantas outras e com voltas visíveis à longa distância ainda consegue ser atrativa e emocionante para quem a escolhe como meio de diversão; para alguns pode ser tedioso ou aflitivo, mas para a maioria tende a ser uma aventura divertida onde o que importa é sentir o próprio peso aumentar e diminuir enquanto se é jogado de um lado para o outro. Em outras palavras, é um truque velho de manipulação que ainda tem sua graça.
Michael B. Jordan é parte de uma safra crescente de artistas cuja versatilidade lhes permite transitar em diferentes campos da arte do cinema, construindo-se agora como um artista plural e assumindo cargos simultâneos de direção, produção e atuação - coisa que poucos conseguem fazer com destreza e que ele se prova muito qualificado a realizar já em sua primeira grande experiência. Logo no prólogo do filme percebe-se um pudor técnico-artístico que somente grandes cineastas possuem, e não é difícil imaginar seu nome despontando em premiações daqui a pouco tempo no cargo de direção. Não imprimiu ainda uma assinatura, pois a franquia pede que seja emulado um determinado estilo de roupagem na cinematografia, mas Jordan tende a se provar cada vez mais qualificado e tenho certeza de que seu próximo projeto irá gerar grande repercussão.
Contudo, voltando ao filme da vez, quem rouba a cena é o excelentíssimo Jonathan Majors, que novamente mostra a que veio e impõe agora uma ameaça física e emocional de alto nível ao protagonista. Todavia, questiono se ele não poderia ser melhor aproveitado se houvesse um refinamento no roteiro principalmente em sua curva evolutiva no segundo ato. A história é boa (criada, inclusive, pelo diretor do primeiro 'Creed', de 2015, Ryan Coogler), mas a forma como é contada beira a engabelação. É como se o filme estivesse cozinhando um galo, assim como foi feito em 'Pantera Negra 2' meses atrás: todo mundo sabe do grande embate final, mas o roteiro finge que é surpresa e tenta se convencer disso enquanto enfia justificativas em cima de justificativas para jogar esse grande evento para o clímax. Isso torna a experiência um tanto cansativa, como se para chegar no loop primeiro tivesse que fazer trinta curvas iguais. Isso não torna o filme ruim, mas o limita a ser apenas mais um dentre uma infinidade de outros. Uma coisa que achei curiosa é o fato de o filme deixar iscas para si mesmo e se negar a fisgá-las mais tarde, como ganchos para frases de impacto (vide "xeque-mate") e superação física no melhor estilo Rocky.
O filme, porém, acerta em cheio no apelo emocional e familiar, com uma mensagem intrincada sobre a importância de aprender a conviver com o passado e o peso de algumas culpas que acreditamos possuir, com ou sem razão. É uma aula sobre a força interior sem cair na pieguice de uma palestra coach, reivindicando a atenção do grande público para filmes do gênero e dizendo para aqueles que acreditam que filmes de boxe são limitados a socos, chutes e hemorragias no septo que existe amor e alma nessas histórias. É um filme de boxe com pouco boxe, mas que consegue colocar significado em suas lutas justamente devido a o que acontece fora delas.
E assim, entre altos e baixos e muitas voltas (olha a montanha-russa aí de novo), 'Creed III' é algo a ser experimentado e vivido com porções individuais de percepção, tendo como base o quanto de cinema cada espectador já viu para determinar o que é novidade ou cartilha reciclada, assim como frequentadores de diferentes parques comparando montanhas russas em paralelo a quem vai andar em uma pela primeira vez. Há obras melhores, inegavelmente, mas a experiência é sempre válida. Uma memória de que filmes de boxe são bons e uma promessa do futuro brilhante que Michael B. Jordan tem para trilhar. Em minha humilde opinião, o filme não é melhor que os dois anteriores mas dá conta do recado e tem o meu respeito.
Kang e Killmonger em uma trocação franca e com a Valquíria gritando na plateia? Isso já vale o ingresso.
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