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'Rodeo' : drama francês adota um olhar feminista em um ambiente dominado por homens | 2023

NOTA 8.0

Por Rafa Ferraz @issonãoéumacrítica

Lançado em Cannes 2022 e exibido na Mostra SP Rodeo marca a estreia de Lola Quivoron na direção. No longa acompanhamos Julia (Julie Ledru), uma jovem sem rumo e apaixonada por motociclismo. Após se juntar a um grupo especializado em roubo de motos, ela precisará provar seu valor nesse meio marginalizado e completamente dominado por homens. 

A estrutura narrativa tem características interessantes, a começar pelo comportamento da câmera constantemente em movimento, quase sempre desalinhada e muito próxima aos rostos dos personagens, imprimindo, sobretudo, intimidade. Esse tom documental que expressa certo senso de realidade aparenta inspiração no Dogma 95, movimento da década de 90 capitaneado por Lars Von Trier e Thomas Vinterberg que propunha uma radical ruptura com a estética comercial hollywoodiana, “desglamourizando a estética e a linguagem como um todo. Também existe um traço de rebeldia muito própria de clássicos como o americano “Sem Destino” (1969) e o francês “Os Incompreendidos” (1959), ambos disruptivos e lançados em momentos de profunda mudança na história do cinema e do ocidente em geral. Com isso, a diretora, apesar de estreante, mostra um domínio bem próprio de quem sabe do que está falando e da forma como irá expressar essas ideias. Junte isso à originalidade na criação de um cenário de rodeios urbanos com uma espécie de cowboys sob rodas e temos a típica subversão de gêneros que só o cinema autoral é capaz de criar. 

Conforme já mencionado, esse tom impresso pelo comportamento da câmera ajuda na imersão e ao mesmo tempo cria uma atmosfera intimista e explosiva. A narrativa é caótica e esse caos é uma constante durante toda a rodagem, esse fator somado ao bom ritmo, mesmo que acelerado, minimiza o que poderia ser uma experiência exaustiva, no entanto, ela está mais para uma corrida de 100 metros; curta, intensa e na sua rápida execução, sobra adrenalina, ficando o cansaço para depois. O uso de metáforas expande o caráter reflexivo da trama, contudo é destoante uma vez que apenas próximo ao fim que temos contato com algum tipo de subjetividade da protagonista. Uma ou outra sequência de sonho ou delírio é o máximo que enxergamos do interior de Julia. Uma escolha criativa um tanto confusa, já que até a primeira metade era de absoluta objetividade. 

Nos minutos iniciais podemos ouvir uma canção que diz: 
'Um Corpo Não É Sujeito
Sujeito é Bem Mais Além' 

Trata-se da canção “Corpo/Sujeito”, do brasileiro Daniel Haaksman. Julia, enquanto mulher quer ser aceita, porém a despeito de suas capacidades, sem nenhuma outra razão senão o gênero, ela encontra um ambiente de resistência e repressão. Curioso como o paralelo com o já citado “Os Incompreendidos”, de François Truffaut (guardada as devidas proporções) é tão direto mesmo com mais de 60 anos os separando. Sem dúvida muita coisa mudou e conquistas socais são inegáveis, mas ao mesmo tempo é desanimador se dar conta de que avanços não impedem retrocessos, de que absolutamente nenhuma conquista está dada, sendo, às vezes, necessário, como o próprio longa demonstra, ressurgir das cinzas após cada sacrifício. 








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