'Sem ursos' : Jafar Panahi reforça seu cinema de resistência em um retrato temeroso sobre restrições de liberdade criativa | 2023
NOTA 8.0
Por Marcello Azolino @pilulasdecinema
Para quem não acompanha o caso, Jafar Panahi é um renomado diretor iraniano ganhador de diversos prêmios europeus como o Leão de Ouro na Mostra de Veneza pelo filme “O Círculo” e o Urso de Ouro (Berlim) por “Taxi Teerã”. Ele também é um símbolo da resistência contra a censura e perseguição artística do regime iraniano tendo já sido condenado a seis anos de reclusão em face de ser acusado de realizar propaganda contra a República Islâmica em 2010.
O diretor foi preso em 2022 e solto em fevereiro de 2023, após fazer uma greve de fome e pagar a fiança para obter sua liberdade.
Seus filmes infelizmente não são exibidos no Irã apesar da repercussão que causam mundo afora. É o caso de sua mais recente obra, 'Sem Ursos' (2022), que recebeu o Prêmio Especial do Júri em Veneza no ano passado. Nesta produção, Panahi dirige, roteiriza e interpreta a si mesmo vivendo em uma cidade iraniana que faz fronteira com a Turquia. Ele dirige um filme a distância gravado em solo turco através de uma espécie de Skype que oscila de conexão em face da precariedade estrutural do vilarejo em que se encontra. Ele replica a restrição de liberdade que sofreu na vida real quando foi proibido de sair do Irã até 2030.
Usando de metalinguagem e capturando as tradições locais da comunidade iraniana que se insere, Panahi propõe reflexões sobre as limitações em relação a sua arte e como costumes locais começam a interferir em sua liberdade e sua paz ao se ver envolvido em uma disputa local entre dois homens que querem casar com a mesma mulher. Na Turquia, enquanto isso, acompanhamos a gravação da história de um casal iraniano que precisa falsificar passaportes para viajar para a França e fugir de uma cidade turca.
As implicações de escolher aquele local para acompanhar de longe as gravações de seu filme na Turquia toma encaminhamentos dramáticos quando alegam que ele tirou uma foto por acaso de um dos casais que disputam a mesma mulher. Nunca sabemos ao certo se ele tirou ou não a dita foto. Panahi é então tragado pelos costumes e regras locais que o levam até um tribunal informal de juramento, aonde é obrigado a jurar que não tirou nenhuma foto do casal. O que inicia como um alívio cômico absurdo na narrativa do filme, começa a tomar contornos assustadores quando as superstições e ritos daquele povo começam a subir o tom junto a Panahi.
É brilhante ver o cinema de resistência do diretor se desenrolar em sua filmografia e 'Sem Ursos' não é diferente, passa mensagens, insere paralelos e cria um microcosmo de sua situação em relação ao Irã em diálogos pitorescos junto ao povoado. É um cinema artesanal, ultrarrealista, já que usa praticamente atores amadores em suas produções, e há um caráter quase documental na forma como explora suas histórias. É cinema de arrepiar e uma declaração de como a arte pulsa mesmo em meio às maiores limitações.
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