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“Capitu e o Capítulo”: Júlio Bressane apresenta releitura que expande as já múltiplas (res)significações do clássico de Machado de Assis | 2023

NOTA 8.0 

Por Alan Ferreira @depoisdaquelefilme


No eterno debate acerca de uma tal fidelidade almejada (geralmente pelo espectador) quando chega aos cinemas mais uma adaptação de um texto literário, é preciso destacar o nome de Júlio Bressane. Costumaz na prática de se valer de obras lavradas por grandes mestres das letras, o diretor carioca sempre preferiu utilizar seus projetos como uma espécie de extensão bem mais ativa em seu processo de leitura. E, a julgar pelo título de sua transposição para as telas do clássico “Dom Casmurro”, fica claro que Bressane compreendeu perfeitamente um dos maiores – senão o maior – questionamento presente na obra máxima de Machado de Assis.   

Ao invés de uma reconstituição dos eventos trazidos no livro, tarefa essa que já seria de complexa execução, ou de uma tentativa de elucidar as dúvidas de Bento Santiago acerca da moral da esfinge Capitu, o realizador parece estar bem mais interessado nos mecanismos narrativos que sustentam seus mistérios – envoltos na neblina que estreitam uma revisão memorialística – e no embaralhamento dos papéis representados nas reminiscências de seu narrador atormentado. Em dado momento, por exemplo, deparamo-nos com um diálogo retirado da infância de Bentinho, que expõe o suposto traço curioso da personalidade de sua jovem vizinha, mas com os atores que os interpretam já adultos; já em outro, menciona-se uma atração entre Bentinho e Sancha (que solta umas das pérolas do longa: “Eu existo entre mim mesma e mim.”), oferecendo, assim, mais camadas interpretativas e preenchendo lacunas propositalmente deixadas nas relações daqueles personagens.

A ideia de encenação também é um elemento preponderante na obra do autor de “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (também relido por Bressane) que aparece de forma acentuada em “Capitu e o Capítulo”. Longe de possuir cenários suntuosos, a direção de arte e a fotografia são hábeis na construção de cenários que não escondem seu aspecto de instalação artística. Enquanto o Dom Casmurro vivido por Enrique Diaz está quase sempre cercado por um fundo negro no qual só é possível perceber a mobília que ajuda a emoldurar, além das lembranças de sua vida, reflexões sobre prodigiosos poetas do século XIX como Junqueira Freire: “Tinha vinte anos!”, a casa da Rua de Matacavalos abriga enquadramentos que, aliados à disposição dos objetos e dos atores, confessam um aspecto posado, como se representassem uma visão ainda antiquada de sociedade que fora devassada por um turbilhão de desejos castrados e/ou mal administrados: “Na cama, eu virava de costas e me tornava Escobar pra você!”, brada uma magnética Mariana Ximenes.  

Lançando mão de uma sobreposição de elementos que revelam o quão atento é como leitor, Júlio Bressane acrescenta mais um capítulo na extensa fortuna semiótica acumulada a partir do primeiro exemplar aberto de “Dom Casmurro” e expande ainda mais as já múltiplas (res)significações de uma obra inesgotável. Através de um exercício bastante particular, haja visto a inserção de imagens e sons de outros filmes seus, o cineasta sabiamente ignora a confecção de uma trama em nome da criatividade no labor de suas engrenagens, assim como o mestre a quem presta um belo tributo.  





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