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'Sede Assassina' : cineasta Damián Szifron mostra a Hollywood um reflexo de seu próprio sadismo | 2023

NOTA 10 

Alguém vendeu a arma para ele

Por Vinícius Martins @cinemarcante 

Viver é sofrer - isto é, segundo o pensamento do filósofo alemão Arthur Schopenhauer. O sofrimento outorgado pelo cinema enquanto arte representativa da vida é marejado por diversas perspectivas, mas poucas delas dialogam com eficiência sobre a raiz da problemática. Após dirigir o excelente 'Relatos Selvagens' (2015) e mostrar como dias ruins levam as pessoas a cometerem atrocidades, o diretor argentino Damián Szifron chega agora ao cinema estadunidense com os dois pés na porta, dando um murro no peito de todo e qualquer senso de orgulho moralista quanto à questão do fácil acesso à armas e rasga o manto da bestificação em torno de seus agentes para mostrar, de um jeito defensivamente didático, que o ódio não precisa de um alvo.

Sendo um thriller policial intenso e muito bem orquestrado, 'Sede Assassina' (do título original 'Para Pegar um Assassino', em tradução livre) gira em torno de uma investigação que luta furiosamente tanto contra o tempo como também contra o sistema egóico que se atropela e se auto boicota dentro de uma disputa autoritária pelos créditos do sucesso pela captura (ou morte) de um assassino com um talento ímpar no manuseio de armas de longa distância - assassino esse que cometeu um massacre horrendo e saiu de cena sem deixar quaisquer vestígios sobre sua identidade. Contudo, apesar de uma abordagem tradicional já vista no método investigativo, o longa propõe um fator humano tanto aos investigadores vividos por Shailene Woodley e Ben Mendelsohn como também ao assassino, promovendo um debate necessário com o público sobre o silencioso sofrimento moderno e as consequências nocivas de não se falar sobre isso.

Ao empregar esse olhar humano em seus personagens centrais, o roteiro agrega valor às suas jornadas individuais que, por serem tão distintas, acabam abrangendo uma gama ampla de arquétipos e visões de mundo - e isso só é um êxito tangível graças à escolha imensamente acertada de seu elenco. Shailene Woodley brilha com um amável ódio reprimido (e incandescente), entregando um protagonismo contido e cheio de camadas. Sua atuação de micro expressões e nuances rápidas diz muito mesmo quando ela não fala nada, e por consequência a vemos entregando um dos melhores trabalhos de sua carreira. Ao colocar a narrativa sob a perspectiva dela, o filme oferece uma visão de compaixão e fúria que cresce até desabar em um dos diálogos mais tensos do ano, onde a diferença entre viver e morrer se encontra no usar das palavras corretas.

Embora o assassino seja tão difícil de achar quanto "um peido em um furacão", como o próprio filme brinca em uma cena, suas obras terríveis são mais do que visíveis; em meio a ondas de ataques armados a escolas aqui e no exterior, lidar com a pressão de encontrar um atirador antes que ele cometa seu próximo ataque é algo doloroso e muito apreensivo - e ter que pensar como ele e entendê-lo com uma compaixão honesta é uma tarefa ainda mais difícil. O cinema norte-americano é bastante fetichista com a violência e todos já sabemos, mas o que Szifron faz aqui é colocar o dedo na ferida justamente para evitar que a vida continue imitando essa vertente da arte, e o faz através de uma reflexão recheada de inteligência cínica; 'Sede Assassina' é excelente exatamente por isso. Tendo uma aparência inicialmente ordinária e podada a clichês, o longa se provou uma das melhores surpresas de 2023 e também um dos melhores e mais bem trabalhados títulos lançados nos cinemas até agora. Já é um dos melhores do ano.







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