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'Tinnitus': longa subverte o body-horror e aposta na sutileza em contraposição ao grotesco | 2023

NOTA 7.0 

Por Rafa Ferraz @issonãoéumacrítica 

O horror corporal é um dos subgêneros mais explorados quando o assunto é terror, e por diversos motivos trata-se de um seguimento de muito respeito dada a quantidade de grandes autores que se aventuraram nele. ‘Suspiria’ de Luca Guadagnino, ‘A Pele que Habito’ de Almodovár e ‘Titane’ de Julia Ducournau são só alguns exemplos recentes. Com raízes na década de 80 e tendo Cronenberg como o principal expoente, as razões para essa abordagem voltar a florescer no século XXI são diversas, mas dentre as principais está na fixação que a atual geração tem na autoimagem ou em procedimentos capazes de eliminar “imperfeições” e até mesmo frear o curso natural do tempo. “Tinnitus” subverte essa lógica mais aparente, porém preserva a essência do body-horror, mantendo como a fonte do medo, o corpo, e diferente das narrativas “cronenberganas”, o mal é invisível, mas implacável. 

Na trama acompanhamos, Marina (Joana de Verona), uma promissora nadadora que tem a carreira interrompida após uma súbita crise de Tinnitus, condição em que a pessoa experimenta zumbidos ou outros ruídos contínuos em um ou ambos os ouvidos. Anos mais tarde, casada e com planos de ser mãe, o passado volta a assombrá-la fazendo com que retorne às competições, mesmo que isso lhe custe a própria vida.  

Dirigido por Gregório Graziozi, o longa traça um caminho interessante e inventivo quando, ao referenciar um subgênero tão marcado pela escatologia, opta por articular essas ideias de maneira mais refinada. A atmosfera imprime uma sensação constante de desorientação, seja através do excelente trabalho de mixagem de som ou pelos planos de teor surrealista onde o real e o irreal se confundem. O terror é, sobretudo, existencial e dessa forma, sem deformações aparentes ou vísceras expostas, Graziozi desenvolve as angústias e conflitos de Marina.  

A ideia de inimigo interior talvez seja a camada mais superficial e óbvia, mas o antagonismo não se limite a doença da protagonista, mas também, já na segunda metade, na presença de sua ex-companheira de competição, Luísa (Indira Nascimento), contudo é nela que certas imperfeições do longa começam. Uma vez introduzida a problemática, com um primeiro ato bastante didático e bem amarrado, a produção sofre com um segundo ato muito dependente de personagens secundários subaproveitados. É o caso de Luísa, cujas motivações deixam pouca margem para dúvida, todavia as atitudes parecem bater em uma mesma tecla. Thaia Perez e Antônio Pitanga tem personagens menores cujo passado muito tem a dizer, entretanto suas histórias pregressas se limitam em diálogos soltos e a falta de contexto reduz seu potencial. André Guerreiro, que interpreta o marido, é o que melhor se comunica com as relações de gênero que o filme aborda. Sendo ele o médico responsável pelo tratamento de Marina, está na interação entre eles um dos pontos mais relevantes. 

Importante ressaltar que o refinamento mencionado não é sinônimo de aprimoramento do subgênero. O trunfo quanto a escolha do realizador em direcionar o horror numa perspectiva mais íntima está na perspicácia do mesmo em perceber que essa era a melhor forma de dizer o que tinha a dizer. Sempre bom ressaltar que para além do marketing, não existe gênero “elevado”. Dito isso, “Tinnitus” é excepcional quando voltado para dentro, mas oscila quando se volta para realidade do dia a dia, muitas vezes não conseguindo traduzir ressentimentos em diálogos, se resolvendo melhor nas pausas dramáticas. Por fim, o projeto acerta muito mais do que erra e entrega um resultado bem acima da média.





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