'Tin & Tina': nova produção Netflix explora os limites do fundamentalismo religioso | 2023
NOTA 6.0
Por Rafa Ferraz @issonãoéumacrítica
Escrito e dirigido por Rubin Stein, “Tin & Tina” é baseado em um curta homônimo do mesmo realizador feito dez anos atrás, em 2013. Esse tipo de trajetória é bastante comum, os recentes “Sorria” e “Terrifier” também foram expansões a partir de ideias experimentadas em produções menores. Nesse longa recém-lançado pela Netflix, o cineasta espanhol se faz valer de inúmeros clichês do gênero, alguns com eficiência, outros nem tanto.
Na trama acompanhamos Adolfo (Jaime Lorente) e Lola (Milena Smit) um casal que tem a cerimônia de casamento interrompida após Lola passar mal e, pouco tempo depois, descobrir que sofreu um aborto espontâneo e devido a complicações não poderá mais gerar filhos. Em meio à crise, Adolfo propõe recorrer a adoção e mesmo com certa hesitação da esposa, eles vão até um convento/orfanato e se encantam pelos gêmeos Tin (Carlos G. Morollón) e Tina (Anastasia Russo). Criados sob rígida disciplina religiosa, seus hábitos e costumes a princípio geram estranheza, contudo acontecimentos extremos farão os protagonistas duvidarem da aparente inocência daquelas misteriosas crianças.
Com um tom novelesco e atuações condizentes com esse tipo de abordagem, a forma com que os fatos se desenrolam e os maneirismos dos atores soam bem convidativo para nós, latino-americanos familiarizados com produções desse tipo, além de, do ponto de vista estratégico, mirar no expectador casual que, diga-se de passagem, é o público-alvo da plataforma. Desse modo, visando esse espectador , algumas passagens sofrem alterações pouco usuais para o gênero de terror, em especial quando a dupla mirim comete suas barbaridades. Muito pouco ou quase nada é explicito ou diretamente mostrado e a violência permanece quase sempre nas sombras, raramente ultrapassando os limites e deixando o retrato visual por conta da nossa imaginação. A subjetividade das intenções e motivações também ficam a cargo do nosso processo de interpretação e investigação. Durante a projeção uma pergunta central fica no ar: seria esse um caso de alienação ou perversidade? O filme brinca entre essas possibilidades e deixa pistas, porém nenhuma delas é conclusiva.
O longa se passa no começo da década de 80 e ao deslocar o enredo para esse período histórico o filme traça paralelos sutis de um dos momentos mais turbulentos da Espanha, quando o país estava em transição democrática após anos da ditadura franquista, regime esse por anos abertamente apoiado pela igreja católica, mesma instituição que pode ser classificada como principal antagonista da trama. O papel da mulher na sociedade é mais um dos temas em pauta, mas esse, embora central, é mal explorado, provavelmente em virtude da ausência de presença feminina na produção. Não que isso seja regra, todavia nesse caso é fato de que ao tentar aplicar um tom progressista o cineasta se limita a um discurso raso que pouco se comunica com a causa, seja ela de qual época for.
Apostando no suspense psicológico, “Tin & Tina” é eficiente ao plantar dúvidas e gerar mistério. Quanto ao terror, falha na atmosfera sombria e descarta aspectos objetivos que dariam aos acontecimentos um maior peso. Definitivamente um pouco de visceralidade ajudaria a tornar essa experiência menos esquecível. Para expectadores casuais talvez seja uma opção razoável de entretenimento. Para os fãs do gênero e mais versados na arte da perturbação, trata-se de uma produção inofensiva.
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